sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Um turno extra e uma crise política

                                                    A comédia de De Sica e Lollobrígida
Todos sabem do impacto do suicídio de Getúlio Vargas na vida política e na sociedade brasileira. Mas o que muitos não se lembram é da instabilidade política que o sucedeu. Na ocasião, o arranjo da posse do vice-presidente Café Filho em condições de realização de novas eleições agravaria o quadro institucional. Ampliava-se a audiência entre os militares do Movimento Militar Constitucionalista e da Cruzada Democrática opostos entre sí. 
O Campeonato Baiano de 1954 foi jogado a esse clima de incertezas, sendo, por coincidência, um dos mais concorridos da história da Fonte Nova. Os três turnos foram ganhos por clubes diferentes havendo a necessidade de um “turno extra”, que teve que entrar pelo ano posterior para definir o campeão estadual.
O ano começa quente, onde todos os atores políticos discutem os possíveis candidatos a presidente. Na oportunidade os generais lançam um documento apelando para a concórdia e dizendo que não se candidatarão. No esporte local Bahia e Galícia comemoram aniversários e o Vitória começa bem o ano em Recife onde ganha do Sport por três a um. Enquanto isto o jornal Diário de Notícias informa que houve “grande animação” na festa da Boa viagem.
                                                       Balbino depois apoiou Juscelino
No dia quatro de janeiro Jânio Quadros afirma que não será candidato a presidência. Logo depois o América de Recife chega a Salvador para jogar com o Vitória. Mas, no entender da imprensa, o jogo é fraco, registrando-se o empate em um gol, embora o rubro negro tivesse aberto o placar com Juvenal e comandasse a partida durante todo o tempo só cedendo o empate, através Jarbas, no final. Um dia depois os cadetes de Agulhas Negras se revoltam, divulgando-se que o episódio ocorreu em protestam por inconformidade contra o regime de realização das provas finais e Jânio recua no anúncio anterior dizendo que “ainda não sabe se será candidato”.   
O terceiro turno do campeonato de 1954 começa no fim de semana com vitórias do rubro negro e do tricolor. A semana seguinte, porém, começa com o bombardeio chinês á Formosa, para onde fugiu há alguns anos a turma de Chiang Kai Check. Começa a se falar na Bahia que a candidatura de Juscelino unirá as forças políticas majoritárias da Bahia. A boa notícia é que a FBDT consegue a indicação de Ivan de Freitas como vice da chapa que dirigirá a CBD no triênio 1955-1958 e a grandiosa inauguração da Usina de Paulo Afonso. Mas, para os torcedores tricolores o que importa mesmo é que o EC Bahia começa mal sua excursão em Pernambuco, apanhando do Santa Cruz por dois a zero.
No domingo seguinte o rubro negro bate os diabos rubros de “virada”: dois a um, a tempo de o tricolor reabilitar-se sensacionalmente em Recife ganhando do Náutico por quatro a zero. A próxima semana prometia e começa logo com o sucesso da festa da Ribeira onde “o povo brincou apesar da exploração” (DN, 17.1.1955). No outro dia outra vitória espetacular do Bahia, cinco a dois no Sport. O tricolor voltava com ares de favorito á decisão do terceiro turno do certame do ano anterior, bastando conquistar o terceiro turno, vez que já havia ganhado um dos turnos e o Botafogo ficado com o outro.
                                             Café Filho fez de tudo pra ficar na presidência
Enquanto isto na política tudo vai “como dantes no reino de Abrantes”, JK conversa com Café Filho e o general Góis Monteiro diz não acreditar na união nacional. Jânio volta a declarar que não é candidato. Mas, pelo menos, os funcionários federais conseguem a aprovação de um abono através projeto na Câmara dos Deputados. Faço um parênteses para dizer que estes sofriam horrores naquele tempo, pois o pagamento de vários órgãos e empresas dependiam de aprovação do Legislativo ocasionando frequentes atrasos de pagamento.
Mas voltemos ao futebol, quando no domingo posterior o tricolor que demoliu os pernambucanos volta a se apresentar para sua torcida na Fonte Nova e sofre uma incrível derrota para o Guarany por um a zero! A renda é apenas regular, setenta mil cruzeiros. Dizem que a culpa é do Cine Guarany, onde passa o filme Rebelião na Índia, estrelado por Tyrone Power. Fala-se então que Juscelino teria retirado a sua candidatura para apoiar o marechal Dutra.
De semana em semana o quadro evolui. O Vitória chega á liderança do turno ganhando do Ypiranga por três a um e se reafirma a candidatura de Juscelino, inclusive anotando-se que não existem dúvidas que ele será indicado na Convenção do PSD. A política baiana fica em compasso de espera dos caminhos e descaminhos da sucessão presidencial.  Mas a reeleição do presidente da FBDT Orlando Gomes vai de vento em popa o que ocorre em onze de fevereiro por unanimidade. Nesta época o Flamengo sagra-se bicampeão carioca no mesmo dia em que o Vitória ganha do Galícia por dois a um novamente de “virada”.
                                   O grande Zague, vendido no ano posterior ao Corinthians
O campeonato então para o carnaval. Na ocasião percebemos que a festa ganha mais espaço nos jornais num ano em que o clube Fantoches da Euterpe (que foi interditado ontem por órgão da Prefeitura de Salvador) sagra-se campeão do carnaval de 1955. Veja como é o caso, os carnavalescos estão na frente do futebol baiano. Na ocasião começa a especular-se a renúncia de Nereu Ramos ao Senado.
O recomeço do certame em março consolida a posição de líder do Vitória que empata com o Fluminense em um gol dando um passo decisivo para a conquista do turno, que virá por antecipação após a surpreendente goleada sofrida pelo Guarany para o Ypiranga por cinco a zero no dia doze. Aí começa a velha conversa de cancelar os demais jogos que “tinham perdido o interesse”, mas desta vez não cola.
O Fluminense de Feiura de Santana aproveita para excursionar ao Ceará e Pernambuco onde consegue excelentes resultados, estreando ganhando do Calouros do Ar por quatro a um. E o Bahia despede-se do turno sendo derrotado pelo Botafogo por três a dois após estar ganhando por dois à zero! Logo depois vai a Recife disputar um quadrangular onde já não consegue tão bons resultados. Perde para o Sport (0 X 2), empata com o Vasco da Gama (3 X 3) e, só então, ganha do Santa Cruz (2 X 0). No entanto o DN coloca em manchete de primeira página o empate!
                                                     O grande artilheiro tricolor Carlito
O turno extra é “empurrado com a barriga” para a realização de um quadrangular envolvendo Vitória, Bahia, Botafogo e Sport ganho pelo rubro negro, do qual falaremos em outro artigo. Enquanto isto vão se arrastando os jogos que faltavam pra completar o turno e Galícia e Fluminense despedem-se do campeonato com a vitória do primeiro por quatro a um. O mês de abril começa com a posse do governador eleito Antônio Balbino enquanto Jânio volta a atacar, agora apoiando a candidatura de Juarez Távora.
Só então a FBDT divulga a programação do turno extra para decisão do certame de 1954. Como predominava o critério financeiro marcou jogos somente aos domingos prolongando ainda mais a decisão do campeonato que só ia ocorrer em fins de maio. Chama a atenção que a entidade só então estabelece como seria decidido o certame. Na ocasião aprova critérios casuístas de desempate que verificam pelo menos um caso esdrúxulo!  É que caso empatassem os três clubes, estes “entrariam em campo” para disputar... penalidades máximas. No entanto, se fossem apenas dois que empatassem haveria um jogo, seguido de prorrogação e pênaltis para se conhecer o vencedor, o que acabou ocorrendo. Pra aproveitar a situação majora todos os ingressos da Fonte Nova para as decisões.
O Vitória começou mal pra ninguém botar defeito, perdendo logo pro Botafogo por dois a um. O primeiro tempo terminou empatado, abrindo o placar Roliço para o alvi rubro e Nelinho contra empatou para o rubro negro. Mas no segundo tempo não teve jeito com Lamarona decretando a vitória botafoguense. Uma boa renda veio para os cofres do estádio, 165.080,00. Na ocasião no Cine Art passava um filme, estrelado por Vittório de Sica e Gina Lollobrigida, que dizia bem destas finais: Pão (Bahia), amor (Botafogo) e fantasia (Vitória).

Porém, na semana seguinte chega o Flamengo na Bahia. Viria completo trazendo craques como os zagueiros Tomires e Pavão, o lateral Jordan, e os atacantes Babá, índio e Zagalo. Jogaria no sábado anterior á segunda rodada contra o Ypiranga vencendo por dois a um. Sua temporada acabaria se desenvolvendo de forma concomitante com o certame baiano. No outro dia o tricolor ganharia por três a um do alvi rubro apontando como o principal concorrente ao título. A renda da partida foi de 204.235,00 e Marito assinalou um dos gols mais rápidos até então, completando Naninho e Lierte contra o gol de Lamarona.
Três dias depois Bahia e Flamengo vão realizar um incrível jogo matutino onde o rubro negro carioca venceria pelo mesmo escore aplicado no mais querido. Parece que havia nessa época muita gente sem trabalhar, pois arrecadaram 179.000,00 num jogo quarta feira às nove e meia da manhã. Hermes e índio marcariam para os visitantes enquanto Lierte apontaria para o tricolor. O rubro negro carioca levaria a Taça Amizade oferecida pelo Ypiranga.
Na semana do grande clássico o Vasco da Gama exige a devolução dos jogadores emprestados ao tricolor, o goleiro Osvaldo Baliza e o atacante Naninho. Mas parece que o Bahia se fez de desentendido ou resolveu alguma pendencia financeira. O certo é que estavam todos os jogadores no Di8a do Trabalho quando parecia que o Bahia dispararia no turno extra. No entanto perderia para o Vitória por dois a um.  Na ocasião o rubro negro volta a dar as suas “viradas”.  
                                  A inesquecível equipe do Flamengo que veio á Fonte Nova 
Naninho abriu o placar, mas Ciro empatou ainda no primeiro tempo, pra Alencar dar números definitivos ao escore na segunda etapa. Raimundo foi expulso. Ao final aconteceria um affaire envolvendo os jogadores tricolores Raimundinho e Lierte que “investiram contra um nosso confrade (Newton Calmon de Siqueira) com palavras de baixo calão e modos agressivos”. Pelo menos foi o que publicou o Diário de Notícias em sua edição de três de maio.
Estava de novo tudo empatado, com chance pra todo mundo. Mas, no próximo jogo o Botafogo enterraria, praticamente, as pretensões do Vitória ao derrota-lo de novo por dois a zero. A renda foi de mais de cem mil cruzeiros e os gols de Alberto e Zague. E foi aí que o alvi rubro teve sua grande oportunidade de conquistar um título na Fonte Nova no dia 15 de maio de 1955, desperdiçada com um empate sem gols contra o Bahia. A renda foi espetacular, sendo arrecadados mais de 360.000,00.  E, na preliminar, um novo empate entre os clubes por dois gols faria o Vitória levar o título dos aspirantes.
Sem qualquer chance no campeonato o técnico Carlos Volante prometeu fazer experiências pela imprensa. O DN chegou a colocar que “talvez comece com time suicida”. Até “rolou” na imprensa que o real Madrid poderia vir á Bahia no próximo mês, aproveitando sua presença no Rio de Janeiro. O Vitória, porém, escalou a equipe que vinha jogando que, segundo o Diário de Notícias, esteve “irreconhecível” na derrota para o tricolor por dois a zero com dois gols de Naninho que continuava no Bahia.
                                                     Juscelino pularia esta "fogueira"
Dois clubes haviam empatado após o turno extra e a decisão seguiria o critério da FBDT, um jogo fulminante para definir quem ficaria com o título. Durante a semana rolou de tudo. O Bahia vetou juízes, jogadores do alvi rubro brigaram, e, houve um jogo-treino onde o Botafogo perdeu do Guarany por três a dois.  
No dia 29 de maio de 1955, realizou-se o jogo Bahia X Botafogo (o clássico do pote) com a Fonte Nova superlotada, onde o DN colocou em dúvidas a renda que foi a maior arrecadação do ano, 450.000,00. Durante a partida ocorreu uma festa de fogos e balões. Na preliminar empataram os amadores de Energia Circular e São Cristóvão em um gol, e na principal o tricolor levaria mais um título para casa ao ganhar o alvi rubro por dois à zero.
Naninho abriria o placar pra Carlito “fechar o caixão” da nova oportunidade alvi rubra, que levaria onze anos pra voltar a disputar um título (e ser novamente vice). Os times formariam assim (Bahia) Osvaldo Baliza, Chagas e Juvenal; Rui, Job e Raimundo; Marito, Naninho, Carlito, Ruivo e Isaltino. (Botafogo) Leça, Tatuí e Alberto; Flávio, Nelinho e Júlio; Dedeu Teco, Zague, Tango e Lamarona.
                                                  Coitado de Jango sempre na berlinda!
“Estranhamente” o DN daria pouca divulgação ao acontecimento. Será que foi desatenção ou havia se “vingado” pela desfeita contra a imprensa dos dois jogadores do tricolor no BA-VI? O jornal divulga que os principais juízes estão sem contrato uma vez terminado o certame. Enquanto isto o presidente Café Filho se diz pessimista com a situação geral do Brasil, ao tempo em que o PSP-de São Paulo lança a candidatura de Ademar de Barros e o PDC indica Juarez Távora.
Como muitos sabem JK e Jango ganharam as eleições de outubro, e, um mês depois uma intervenção militar daria um contragolpe no movimento que tentava impedir a posse dos eleitos destituindo Carlos Luz(prsidente em exercício), declarando o impedimento de Café Filho(presidente licenciado) e empossando na presidencia o vice prsidente do Senado Nereu Ramos. 

·         Agradeço as informações do Setor de Publicações Raras da Biblioteca Central do Estado e de Lidiane Monteiro Ribeiro. Sou grato também as imagens dos blogs:overmundo.com.br,soress.wordpress.com,museu dos esportes,virtualiaomanifesto.blogspot.com,tribunaestudantil.110mb.com e paulofcamposs.blogspot.com.

2 comentários:

  1. Olá Franklin, gostei muito do seu blog. Vc escreve tão bem que me senti vivendo cada evento narrado.
    Obrigada pela referência, é bom saber que nosso trabalho norteia outras pesquisas.
    Parabéns pelo seu trabalho!

    ResponderExcluir
  2. Obrigado Lidiane é o ofício de historiador e de escritor, estou lançando agora o meu quinto livro.

    ResponderExcluir