sábado, 5 de fevereiro de 2011

Macumba no clássico

    
Fala-se muito da relação entre religião e futebol. Eu mesmo já postei nesse blog alguns artigos sobre o assunto. Muito torcedor, quando presencia um jogo que a bola não entra de jeito nenhum, racionaliza logo a explicação:
- Só pode ser macumba!
Esta explicação tem muito sentido no Brasil onde há uma mescla de medo, preconceito e admiração em relação á religião a religião africana e da diáspora. Mas tem também quem não acredite nesta história Dizem que no futebol pedido a Deus não funciona, pois ele não pode estar dos dois lados. Há até um ditado que parece por fim a discussão e que diz que “se macumba valesse o campeonato baiano terminava empatado”.
Quem quer saber mais detalhes desta discussão sugiro que leia o bom livro do antropólogo alemão Anatol Rosenfeld Negro, macumba e futebol, editado pela Perspectiva em 1993, que trata do negro na história do futebol brasileiro, do comportamento das torcidas e da catarse social experimentada nos estádios de futebol.
                                               Até no Dique do Tororó o negócio rolou!
Por enquanto vou ficar com o caso acontecido na Fonte Nova que foi contado hoje pelo repórter Diego Adans do jornal A Tarde acrescentando algumas informações. Vivíamos o ano de 1971 e a ampliação do anel superior do estádio havia sido inaugurada em quatro de março. Na ocasião, um público estimado entre 130 e 140.000 pessoas superlotou a praça de esportes presenciando o maior desastre esportivo do país escondido diligentemente na ocasião pela nossa censurada imprensa.
Pra vocês terem uma ideia Salvador tinha naquele tempo 1.071.000 habitantes e 12 a 13% de seus habitantes compareceram ao estádio, inaugurando uma época de massas que nunca mais vai se repetir na Bahia. Até os anos noventa dezenas de jogos irão atrair mais de oitenta mil pessoas e, pelo menos quatro, mais de cem mil, sendo que a Fonte Nova estaria presente em três decisões nacionais, 1988,1992(Segunda Divisão) e 1993.
O estádio veria este ano vários torneios e o primeiro campeonato brasileiro. Quanto ao campeonato baiano seria ganho de novo pelo EC Bahia após o ano anterior onde o certame foi jogado no velho campinho da Graça. Fazia um mês que eu tinha começado a trabalhar na Orquestra Sinfônica da UFBA quando, no dia primeiro de agosto, se jogaria, se não me falha a memória, o primeiro BA-VI do estádio ampliado. Na ocasião “Lourinho”, o chefe da torcida do Bahia, anunciava pelos jornais que havia feito macumba pra amarrar o Vitória no jogo. A provocação, entretanto, era ignorada por “Alvinho barriga mole”, igualmente chefe da nossa torcida, que dizia que também havia apelado pros orixás.
                                               O "trabalho" amarrou até os bandeirinhas!
Cruz credo, pé de pato mangalô três vezes! Bati na madeira e fui pro estádio com meu irmão “Toínho” com medo, mas acreditando que Alvinho realmente tinha tomado providências. É que já tinha ouvido falar em “amarração” no amor, e todo tipo de feitiço pedido a Exu. Que havia o caboclo tranca rua pra abrir caminhos ou prender, tanto pro bem quanto pro mal. Diz minha assessora para fins de religião afro que é a umbanda que usa estas demonstrações externas e não o candomblé, que prefere fazer isto nas casas de culto.
A matéria de A Tarde fez com que, de repente, tudo que tinha acontecido naquela tarde voltasse a minha memória.  Naquele tempo ainda não existiam as torcidas organizadas de hoje e os torcedores preferiam as gozações do que partir pra briga nos estádios. “Loirinho” sempre se vestia a caráter e, confesso, tinha mais presença do que meu amigo “Alvinho”.
Agora sentava na parte de cima do lado da torcida do Vitória a uns cinquenta metros do alambrado das cadeiras onde se localizavam a maioria dos conhecidos. Foi nesta época que comecei a fazer o “bolo” do primeiro gol. Pegávamos uns papelzinhos e escrevíamos o nome dos 22 jogadores, enrolávamos e colocávamos num boné pra sortear por um cruzeiro. O interessante é que poucas vezes ganhei. E quando aconteceu ainda teve gente que disse que foi “marmelada”! Mas naquele dia nem faria questão de acertar.
                                                   Oi a aí a bola do Vitória como ficou!
“Lourinho” já estava provocando a torcida do Vitória correndo de um lado pro outro espetando um boneco. Mas, quando os times entraram em campo a “guerra” ficou ainda mais acirrada.  Vi ele perto do túnel e não entendi bem os gritos de gozo da torcida do Bahia. Só no outro dia é que li que ele tinha colocado uma vela no local por onde iriam entrar os jogadores do Vitória. Quanto a “Alvinho” não ficou atrás sacudindo pó (depois soube que era sal grosso) na meta do goleiro tricolor e no juiz (Garibaldo Matos).
Mas pra quem não acredita nestas coisas iria passar a duvidar de si próprio no meio do jogo. É que além de continuar as provocações “Lourinho” soltou uma pomba, que tinha presa uma bandeira do Bahia, e que sobrevoou o estádio indo pousar dentro do gol do lado do Dique do Tororó. Tive um suor frio na espinha na ocasião, enquanto a torcida tricolor delirava. O episódio foi esquecido no calor da partida que estava “pau a pau”.
                  Nesse dia estava impossível ganhar pois o Bahia chegou antes aos terreiros!
No intervalo “rolaram” novas gozações de parte a parte, desta vez com os cânticos de guerra entoados pelas torcidas. O Vitória começou bem o segundo tempo, tinha maior controle da bola e fazia estocadas perigosas. Já o Bahia jogava em contra ataques. E foi num desses, numa troca de passes na entrada da área que o goleiro rubro negro se atrapalhou com um zagueiro cometendo uma falta boba dentro da área.
O espalhafatoso Garibaldo marcou o pênalti na hora, e, quanto a nós só restava roer as unhas esperando que o avante do Bahia jogasse pra fora. E, aí... não deu! Agora não foi mais suor e sim um frio que tomou todo o meu corpo quando a bola entrou justamente no lado da meta que a pomba tinha ficado. Naquele tempo o tricolor tinha setenta por cento do estádio fazendo com que este viesse praticamente abaixo.
                                        Não adianta rezar quando o assunto é de macumba!
Paguei a merda do bolo a quem veio me cobrar e fechei a cara durante o resto da partida. Nem mais conversei direito com meu irmão. Teve gente da torcida que foi embora logo depois do gol por dizer que o Bahia estava “rezado” e naquele dia o Vitória não podia ganhar. Eu não fiquei esperando uma reação do time até os 40, quando ainda deu o "maior pau" ao André chutar o goleiro Renato obrigando ao governador ACM sair da tribuna de honra pra vir apartar a briga.  

Mas foi só isto. Nos dirigimos pra “boca” das entradas das arquibancadas, de onde nos preparamos pra atingir rapidamente a ladeira da Fonte Nova pra não tomar as gozações das inchada tricolor. Deste dia em diante passei a acreditar que o sobrenatural pode ocorrer no futebol!

·         Agradeço a Diego Adans, ao jornal A Tarde, a mãe Cida, a revista afro, aos blogs peguenacabeca.blogspot.com,adevidacomedia.wordpress.com,gomydog.com.br,flickr.com e centropaijoaodeangola.com.br.

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