sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O time da PM na Fonte Nova

                           
Em 1983 vivi uma curiosa experiência, como musico e professor da Policia Militar da Bahia. Na ocasião fui convidado pelo meu amigo e major Espírito Santo que não sabia das minhas preferências ideológicas e queria criar uma banda sinfônica na corporação.

Confesso que na época “viajei na maionese” achando que poderia ajudar a conscientizar a classe armada para a revolução no Brasil. Ao contrário do que possa parecer o convite sequer passou pela organização política de que eu participava. Minha visão acabou colaborando pra encurtar o trabalho que exerci no Quartel dos Dendezeiros, no bairro do Bonfim em Salvador.

Tudo parecia bem no início quando, inclusive, quatro soldados se inscreveram para as minhas aulas de contrabaixo. Cedo, entretanto, pude perceber que a natureza da instituição levava a uma série de problemas burocráticos, que atrapalhavam o curso. A PM daquele tempo mantinha uma disciplina denominada “Guerra Revolucionária” que se constituía numa verdadeira doutrina anticomunista voltada para o combate a um inimigo interno. E os soldados eram submetidos a uma disciplina férrea onde trabalhavam desde as cinco da amanhã sem tempo para os estudos do instrumento.
Minhas reclamações melhoraram um pouco a situação dos alunos. Assim, mais tarde, quando fizeram um movimento para serem promovidos a terceiro sargento adivinhem quem chamaram pras reuniões? Na ocasião aceitei, dando uma demonstração de completo desatino. O resultado é que fui pra mesa de uma assembleia, fiz propostas, acompanhei uma comissão á Assembleia Legislativa, quando... fui demitido e os demais presos! E ainda “sobrou” para meu amigo, o major Espírito Santo, que teve que ouvir muita repreensão. Esta foi minha breve experiência na Polícia Militar. Mas já tinha tido contato na década anterior com a corporação, e foi na Fonte Nova. Vou contra pra vocês.

Apesar de Bahia e Piauí pertenceram ao Nordeste e fazerem fronteira sua relação esportiva na maior parte do tempo é rarefeita. Há apenas iniciativas aqui e ali de uma aproximação, que se deu particularmente em alguns torneios Norte e Nordeste e excursões, envolvendo, particularmente, os clubes locais Flamengo e River. O primeiro foi o “papa-títulos” nos anos quarenta e o segundo nos anos cinquenta.

O Tiradentes é um clube mais novo. Foi fundado em 1959 pra ser um clube dos subtenentes e sargentos da Polícia Militar do Piauí. Sua denominação se deve á homenagem ao patrono da instituição. No entanto levaria sete anos para se filiar á federação e mais seis para aderir ao futebol profissional, sendo campeão estadual no primeiro ano que disputou. Sua mascote é o tigre e seu estádio é o Lindolfo Monteiro que tem capacidade para oito mil torcedores.
                                         O Estádio Lindolfo Monteiro
Os episódios que estou contando não seriam possíveis se não fosse à politicagem e os desmandos da antiga CBD. É que, durante os anos 70, pra resolver os problemas de legitimidade da ditadura militar, o órgão encheu de clubes o recém-criado Campeonato Brasileiro que, de grão em grão, chegou aos 94 participantes no fim da década. Na época ficou famoso o ditado “aonde a ARENA vai mal um time no Nacional”.
Os confrontos entre baianos e piauienses neste certame resumem-se a cinco meses, entre fins de 1973 e inícios de 1974, quando o Brasil vivia os momentos finais do “milagre econômico” do triste governo Médici. Quando no Brasil a pornochanchada fazia com que a sacanagem não ficasse restrita aos altos escalões militares e Raul Seixas declarava ser uma “metamorfose ambulante”.
No final de 1973 o mundo vivia a crise do petróleo, mas era uma época rica para a cultura onde assistimos filmes como Amacord de Felinni, Gritos e sussurros de Bergman e O ultimo tango em Paris de Bertolucci, cuja atriz Maria Schneider (Lembram-se? A que contracenou com Marlon Brando!) morreu ontem. No mês de setembro seríamos abalados com o golpe militar do Chile que derrubou o governo socialista de Salvador Allende e massacrou cerca de trinta mil pessoas. O grupo político Ação Popular Marxista Leninista que buscava se reorganizar, seria profundamente afetado ocorrendo “quedas” em setembro/outubro que levariam dezenas de militantes a serem torturados no DOPS da Rua da Tutóia em São Paulo.
                                                        De arma não!
Foi neste clima que o regimento (oh, digo o time!) do Tiradentes chegou em Salvador em 24 de outubro para cumprir compromisso pelo Campeonato Brasileiro contra o tricolor. Na oportunidade os torcedores que pensavam que o Bahia tinha “pegado o seu”. Afinal o clube nesse ano só perdeu pontos pros grandes clubes nacionais derrotando sucessivamente Figueirense, Paissandu, América (RJ) e Curitiba. Conta à lenda que disseram no vestiário aos jogadores tricolores que o time era da PM. Teve gente até que não queria jogar só entrando no gramado á muito custo.
Houve gente em meio aos 13.932 torcedores que suspeitou do magro escore de um a zero para os baianos. É que vivíamos uma ditadura militar e havia muito medo. Ainda mais ganhar da polícia... Na oportunidade os comandados de Aureliano Beltrão formariam com Tonho, Marinho, Ivan Limeira, Murilo e Neto; Gerson Andreotti e Carlos Alberto(Russo); Derivaldo, Joel, Paraná e Vicentinho. Do outro lado, os tricolores de Evaristo de Macedo atuariam com Zé Luiz, Altivo, Sapatão, Roberto Rebouças e Luís Alberto; Baiaco e Fito; Tirson, Douglas (Picolé), Everaldo e Marquinhos.
Passariam só 45 dias e os piauienses estariam de volta ao estádio, desta vez para enfrentar o EC Vitória. O rubro negro, que havia ganhado alguns dias antes do Nacional (AM), contava como certos os dois pontos pra garantir a sua recuperação no certame, fazendo festa de véspera. Mas como o jogo era com a turma da PM “cautela e caldo de galinha” não era demais. A batalha que se viu no estádio lembrou os corre-corre que sofríamos do regime, quando, após tomar conta das ruas (ou do jogo) os militares iam pra cima e desarticulavam as nossas iniciativas (ou jogadas). Não teve jeito, depois dos noventa minutos o placar não saiu do zero.
                                    Ai também já é apelação do Vitória!
Na oportunidade o Vitória seria dirigido pelo grande goleiro Carlos Castilho e formaria com Agnaldo, Roberto, Dutra, Valter e França; Deco, Davi, Mário Sérgio e Fernando Rabelo (Gibira); Luís Carlos e Osny. Já os piauienses de Ênio Lima estariam com Toínho, Murilo, Serjão, Tinteiro e Neto; Gerson Andreotti e Derivaldo (Joel); Mimi (Ventilador), Neviton, Sima e Vicentinho. Do time do Tiradentes Ventilador já havia jogado no rubro negro e Sima mais tarde seria adquirido pelo tricolor.
Em dez de março de 1974 o Tiradentes estaria de volta á Fonte Nova mais uma vez pra enfrentar o rubro negro baiano. Desta vez estávamos em situação diferente onde, após ganhar seguidamente em casa de Fortaleza e Santa Cruz, o Vitória tinha sofrido cinco derrotas seguidas, contra Cruzeiro, Santos, Goiás, São Paulo (0 X 2 na Fonte Nova) e Grêmio (0 X 1). Assim, o jogo contra os piauienses seria de vida ou morte voltando a colocar o time em paz com as vitórias.
O rubro negro foi logo pra cima tentando dispersar a formação da tropa piauiense. Mas o corneteiro logo tocou reestabelecendo à ordem. Mais tarde entrou o pelotão de choque que “limpou a área” do Vitória para os gols de Maranhão e Xavier. Osny marcaria nosso gol solitário numa estocada pela direita.  A valorosa inchada rubro negra não perdoaria seu time conferindo-lhe uma grande vaia ao final.
                                                 Ah, essa não jogou!
O Vitória ainda seria dirigido por Castilho, mas tinha algumas mudanças para a nova temporada. Formou com Joel Mendes, Roberto, Paulo Valença, Vavá e Jorge Valença; Derí, Roberto Menezes e Davi (Zé Luís); Medrado, Osny, Didi e Medrado. Enquanto o Tiradentes de Ivâ Navarro atuaria com Toínho, Célio Rodrigues, Cândido, Gilson e Neto; Ronaldo (Santos) e Botelho (Anselmo); Derivaldo, Joel, Maranhão e Xavier. Somente quatro soldados, digo jogadores do clube do Piauí, participariam das partidas, o goleiro Toínho, o lateral-esquerdo Neto, e os dublê de meia/atacantes Perivaldo e Joel.
Por coincidência, seria na despedida que o Tiradentes atrairia o maior público pagante, 22.210 torcedores.  O clube piauiense nunca mais voltaria à fonte do futebol. A situação chegou até ao nível das nossas sérias autoridades públicas. Alguém especulou que o clube ficou ressentido com as vaias. Naquele tempo era comum vaiar os militares, mas o Tiradentes era mais do que isto, tendo mostrado na Bahia que se tratava de um clube glorioso.
Depois dos acontecimento da Bahia venceu novamente os campeonatos estaduais de 1974, 1975(dividido com o River) e 1982. Foi no ano em que eu trabalhei na PM que o clube foi massacrado pelo Corinthians no Campeonato Brasileiro de 1983 por dez a um, naquela que é até hoje a maior goleada do certame.
                                         Olhem aí o time do Tiradentes!
Depois disto eu saberia pouco de sua atuação, mas teria outros encontros com os policiais militares nem todos agradáveis. Em 1990 o clube conseguiria seu último título de campeão estadual. Quatro anos depois eu e vários músicos seríamos espancados na Prefeitura Municipal quando fizemos uma ocupação nas vésperas do carnaval. Em 2001 eu apoiaria a greve da PM da Bahia sendo novamente aceito em suas reuniões. Quanto ao Tiradentes seria rebaixado para a Segunda Divisão do Piauí e, há algum tempo, nem esta disputa. 
                                             Um jogador simpático!

·         Agradeço as informações dos sites Futipédia, do Wikipédia, da Federação Piauiense de Futebol e do Campeões do futebol. Sou grato também as imagens dos blogs brici.com.br,dinizk9.blogspot.com,wagnermoura.blogspot.com.br,atarde.com.br,ultimosegundo.ig.com.br,  arieeduardo.worpress.com,colonlima.bloigspot.com,fotojornalismo.com.br e palavrasatravessadas.blogspot.com.

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