E a terra tremeu
O céu mudou de cor
Criação de Simone Moreno
Todo mundo sabe que de abril a julho chove muito em Salvador. E isto ocorre há séculos sem que nossas autoridades tomem medidas que possam minorar o sofrimento da população. É que é raro um desabamento nos bairros nobres! As inúmeras ocasiões em que houve inundações e corrimento de terra, quem perdeu as casas, morreu, se feriu ou ficou desabrigado morava na periferia da cidade.
Até 1955 estas coisas pareciam não ter relação com o futebol. Mas neste ano, pouco tempo depois do carnaval, o tempo passou a ficar ruim. Não tardou pras chuvas ficarem acima do normal. Mas não foi necessário adiar qualquer jogo do campeonato do ano anterior que terminou em fins de maio.
Em junho as chuvas pioraram e o São João não foi grande coisa. Mas foi em julho que as coisas apertaram. Passou a chover vários dias, até que, em 16 de julho, a vida juntou definitivamente as tragédias do cotidiano da população com o seu esporte preferido, e isto em plena Fonte Nova.
Será que Visconti previu isto sete anos antes?
Esse dia não foi esquecido por muito tempo. Não tanto pelo jogo (afinal Vitória X Guarany não era “nenhuma BRASTEMP”) mas pelo que ocorreu nele. Mesmo que o rubro negro estivesse valorizado e viesse a ganhar o título deste ano! Na semana da partida havia chovido bastante e a terra estava molhada. Tanto que no dia anterior houve quem pensasse em adiar o jogo. Mas sabe como são os problemas do calendário né? Mesmo assim, uma turma de torcedores fanáticos rubro negros e “índios” acabaram comparecendo.
O clima da partida alternou estiagem com chuva fina. O jogo era ruim de dar dó. Em dado momento o Deus do futebol decidiu abalar aquele marasmo. A terra começou a correr e desabou uma parte do morro em cima do trajeto pras arquibancadas. O episódio acabou soterrando uma banca de refrigerantes que se localizava bem ali, mas cujo responsável não havia comparecido. A chamava “sombra” ficou cheia de entulhos e, naquele dia, o pessoal passou com dificuldades pra alcançar a Ladeira da Fonte e ir pra casa.
O episódio por pouco não provocou efeitos devastadores. Se houvesse um público maior no estádio e se os vendedores estivessem trabalhando normalmente a Fonte Nova não iria escapar das trágicas estatísticas que infelicitariam sua história em 1971 e 2007. Desta vez, porém só ficou ferido o orgulho dos baianos ao ver o seu histórico estádio naquela situação que exigiu muito trabalho do órgão responsável pelo estádio que levou dias pra tirar a terra e desobstruir o caminho.
Torcedor indo pra Fonte Nova naquele dia
Quanto aos torcedores rubro negros presentes saíram molhados mas felizes. Tinham “pulado uma fogueira” e, afinal, o Vitória acabou ganhando do Guarany por dois a zero. Luchino Visconti havia dirigido um clássico do neo realismo italiano A terra treme. O filme é um libelo contra o capitalismo e as incongruências do sistema de mercado, mas naquele dia ninguém pensou nas suas posições políticas.
Olhem como ficou o Dique do Tororó!
No outro dia o jornal Diário de Notícias não deixou por menos estampando em manchete na página esportiva:
No outro dia o jornal Diário de Notícias não deixou por menos estampando em manchete na página esportiva:
As terras correm na Fonte Nova
Em meio aos comentários da mídia sobre o ocorrido não passou despercebido que, até que enfim, o governador Antônio Balbino havia descido do “muro” e apoiado à chapa Juscelino e Jango nas eleições pra presidente desse ano. Mas esse ano havia ultrapassado todas as medidas. Afinal, foi preciso o treme - terra da Fonte Nova pra que ele se decidisse!
· Agradeço ao Setor de Periódicos raros da Biblioteca Central do Estado (Coleção Diário de Notícias). Sou grato também as imagens dos blogs:istoe.com.br,o-pilar.blogspot.com,blig.ig.com.br e correio24horas.globo.com.
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