Salvador por ocasião da última visita do cientista
Gilberto Freyre é um dos grandes cientistas brasileiros, com contribuições á antropologia, sociologia e história. Livros como Casa Grande & Senzala(1933) e Sobrados e Mocambos(1936) se encontram em todas as bibliotecas importantes do mundo. E não é á toa, é que ele, descendente de família da tradicional aristocracia pernambucana, é responsável por ter feito, nos anos trinta, uma interpretação original da sociedade brasileira, sendo a primeira a incorporar questões como raça, sexualidade, gastronomia e cultura nas suas obras.
É claro que sua obra tem muita polêmica. Há quem diga que vendeu vícios da nossa colonização como “fatores civilizatórios”. Por conta disto exaltou a sociedade patriarcal nordestina(preferindo esta ao capitalismo) e os “aspectos positivos” da violência da conquista. Mas sua tese que causou o maior frisson foi a da “harmonia das raças” como fator constitutivo do nosso país.
Não conheço nada que ele escreveu que fale sobre futebol mas o futebol tem relação com ele. Esteve na Bahia seis vezes e o esporte bem poderia estar entre suas áreas de interesse científico. Enquanto nos visitou o futebol “rolava solto”. A primeira vez foi em fevereiro de 1926, quatro anos após a inauguração do estádio da Graça. Aliás, escolheu o ano em que este estádio entrou em funcionamento pra obter seu mestrado nos EUA com a dissertação Vida social no Brasil nos meados do Século XIX. Ainda nem tinha completado 26 anos nem escrito o clássico Casa Grande & Senzala. Na época visitou o Terreiro e a Praça da Sé, pois ainda pegou a antiga Catedral da Sé em pé, e a visitou junto com a Igreja de São Francisco.
Elite é fogo hein!
Viu a igreja “toda de ouro” na primeira sexta feira da penitencia, o que quer dizer oito de janeiro. Na quarta feira, dia seis, a Associação Athlética havia assegurado o vice-campeonato ao ganhar do Democrata por dois a um. Freyre chegou depois, na quinta ou na sexta feira. E, no domingo o Vitória empataria com o Botafogo por três gols tirando o vice dos diabos rubros. Todos ajudariam ao Ypiranga a disparar com o título.
O ilustre cientista compôs depois um poema sobre a Bahia onde fala das mulatas “quentes” e seus corpos ardentes, do caruru, vatapá e azeite de dendê, dos bacharéis, dos mulatos de fraque, dos chapéus da Rua Chile, dos estudantes de medicina, dos admiradores dos políticos Pedro Lago e Ruy Barbosa, e dos que sentiam saudades da época de JJ Seabra.
Freyre passou por aqui duas vezes durante a Segunda Grande Guerra, em 1941 e 1943. A primeira vez foi só de passagem, só dando tempo pra se encontrar com o acadêmico Berbert de Castro, diretor do Departamento de Cultura do Estado. O Brasil ainda não havia entrado na guerra embora já houvesse pressões neste sentido, e dos dois lados! Se perguntasse por futebol saberia que o Galícia iniciava na ocasião o seu tricampeonato que, mesmo que não soubesse, iria ocorrer durante as suas duas visitas da época.
Será que foi em Salvador?
Quando nos visitou pela terceira vez, em novembro de 1943, o Brasil já estava dentro do conflito. Foi uma glória, vindo a convite dos estudantes pra proferir palestra e ficou cinco dias. Infelizmente, nosso futebol não quis homenageá-lo pois havia suspendido os jogos do campeonato desde o mês de outubro, só voltando a jogar o certame em dezembro. Pareceu até provocação. Será que foi coisa do interventor federal? Nem um amistosinho foi programado na ocasião. O último que houve foi em 24 de outubro quando o Vitória enfiou cinco a um na seleção sergipana. Mas o cavalheiro Freyre nada falou em sua palestra sobre o assunto.
O colóquio foi no dia 26 na Faculdade de Medicina, e foi assistido por muita “gente boa”. Estiveram presentes o próprio interventor federal, o prefeito, o chefe de polícia, secretários de estado, os embaixadores dos EUA e da Gran Bretanha, outras autoridades federais e militares, jornalistas, e, é claro, estudantes, professores e populares. Chegaram até a lhe oferecer um banquete no dia 29, com direito a discurso e tudo! Já estava se preparando para a política onde entraria três anos depois ao ser eleito deputado á Assembleia Constituinte pela UDN.
Voltaria em janeiro de 1949 pela quarta vez durante a festa de Senhor do Bonfim, num estado agora dirigido por Octávio Mangabeira, e que construía a Fonte Nova. Como naquele ano o campeonato local só começaria em junho marcaram durante sua visita o “importante” amistoso entre Botafogo e Guarany, que acabou empatado em um gol. Seria em função da abordagem das nações indígenas em suas obras, nunca o saberemos. Talvez tenha sido por isto que Freyre nem lá apareceu.
Freyre mais novo, tranquilão em Recife!
No artigo que escreveu sobre a visita, como bom conciliador, tentou conciliar o atual governador, presidente do seu partido, com o da chamada revolução de trinta, Juracy Magalhães. Almoçou no próprio Palácio da Aclamação com amigos, entre os quais o educador Anísio Teixeira, não deixando de elogiar a primeira dama, embora criticasse a insensibilidade do arcebispo em função da proibição da lavagem do pátio da igreja da colina sagrada.
Ao final da primeira década de funcionamento do nosso histórico estádio Gilberto Freyre viria na Bahia suas últimas vezes. Havia escrito em 1957 a obra Ordem e progresso. E no ano seguinte viria novamente á Bahia, percorrendo o Recôncavo com amigos em uma embarcação. Entre estes estavam o historiador Godofredo Filho e o arquiteto, urbanista Diógenes Rebouças, cujo escritório foi autor do projeto da Fonte Nova. Certamente, Diógenes deve ter lhe falado sobre o estádio mas a programação não comportava a visita.
Vejam o que disse na ocasião de nosso grande arquiteto:
arquiteto que por ser moderno em seus arrojos e nas suas técnicas de construção não deixa de ser sensível nem aos encantos da tradição nem ás sugestões especificamente regionais da paisagem: Diógenes Rebouças
(Pelo Recôncavo, Revista O Cruzeiro, 16.8.1958, p.48)
A primeira vez que ele veio o Dique do Tororó ainda era assim!
Sabemos que a visita foi durante o primeiro semestre, mas não está registrado a data. Assim ficamos sem saber se aconteceu durante as decisões do campeonato do ano anterior, ganho pelo EC Vitória, ou se no primeiro turno do certame ganho pelo EC Bahia. Em todo caso Freyre tinha mudado de armas e bagagens pros times de massa da Era Fonte Nova, a dupla BA-VI.
No ano seguinte esteve na Bahia a convite do reitor da então Universidade da Bahia(depois UFBA). Na ocasião ficou entusiasmado com o projeto da instituição elogiando o trabalho de diversos órgãos e conclamando outras universidades a seguirem - lhe o exemplo.
Não sabemos a data da visita mas foi o ano em que houve mais amistosos de times nacionais na Fonte Nova, 45. Certamente um dos clubes visitantes estava presente quando aqui chegou. Podem ter sido os cariocas do Fluminense, Botafogo, Vasco da Gama, Flamengo e Bangu, ou os mineiros do Cruzeiro, Atlético e Democrata de Sete Lagoas. Mas pode ainda ter sido os paulistas do Santos, São Paulo, Palmeiras e Taubaté, ou os cearenses do Ceará e Fortaleza, CRB e Campinense. Mas, quem sabe se esteve aqui pra acompanhar o pernambucano Sport, que em janeiro saiu invicto do nosso histórico estádio, ao ganhar do Vitória por dois a zero e empatar com o Bahia por duas vezes(2 X 2 e 1 X 1)?
Que saudades do arquiteto e urbanista Diógenes Rebouças!
Em 1964 o ilustre cientista “se machucou seriamente” apoiando o golpe militar. A partir daí não temos informações sobre alguma visita. Mas o certo é que o destino não deixaria que um cientista inovador como ele morresse nesta situação, o que somente aconteceria quando os generais já tinham deixado de infelicitar o nosso país, em 1987.
· Agradeço as informações do Almanaque do Futebol Brasileiro e do site RSSSF Brasil. Sou grato também as imagens dos blogs: entendaum pouco.blogspot.com,blog.ig.com.br,bvgf.fgf.org.br,portalinfraero.com.br,entretenimento.uol.br e dusinfernus.blogspot.com.
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