segunda-feira, 18 de abril de 2011

Roberto Carlos, a ditadura e a Fonte Nova




* Homenagem aos 70 anos de Roberto Carlos


Nos anos sessenta o futebol arranjou um concorrente em meu coração, o rock. Comecei com os estrangeiros, comprando e assistindo tudo o que se referia ao Beatles, Rolling Stones, Elvis Presley, Little Richard, The Animals, Dave Clark Five, The Byrds, os Beach Boys, The Mamas The Papas, The Monkeys, os Bee Gees, Rita Pavone, Peter, Paul and Mary, Sonny Cher, The Supremes, Simon Garfunkel, dentre outros.

O comportamento desses artistas influenciou a minha geração, inclusive no modo de vestir e encarar o mundo. Queríamos ser como eles, usar calças apertadas e com boca larga, botinha, deixar crescer bigodes, costeletas e cabelos, cortando-os, se possível, na testa à maneira dos Beatles. Durante muitos anos só vesti calça Lee. Até hoje sou sócio do Cavern Club e compareço á Companhia da Pizza na última terça feira do mês pra assistir os covers dos Beatles.

Só mais tarde é que fui me interessar pelo rock nacional, que era, na ocasião, apenas um rebatimento do que se fazia nos EUA e Inglaterra.  É que havia muitos imitadores, que deixavam muito a dever dos originais, tipo Brazilian Beatles, The Fevers, Os incríveis e Renato e os seus Blue Caps.  

                       Ói ele no Festival da Record em 1967!


Mas acabei gostando, ainda mais que comecei também a fazer versões das músicas estrangeiras como eles faziam. Logo passamos a assistir ao programa Jovem Guarda na TV Itapuã, comandado por Roberto Carlos nas tardes de domingo, e ouvíamos outros voltados para o gênero na rádio.

Era onde tocavam Erasmo, Vanderléia, Leno e Lilian, Rosemary, Jerry Adriani, Eduardo Araújo, Silvinha e Roni Cord. O filme Na onda do iê-iê-iê foi estrelado por todo pessoal do rock nacional da época.  Lembro-me de ter assistido, ainda, por várias vezes, aos filmes Os reis do iê-iê-iê(A hard days night) e Help, ambos no Cine Guarany.

Erasmo e Jerry Adriani se apresentaram no Ginásio Antônio Balbino em 1965. Na ocasião saíram debaixo de pedradas. Depois outros da “Jovem Guarda” se apresentaram ali. O gênero acabou “pegando” na Bahia onde haviam Tildo Gama, Valdir Serrão, os The Gentlemen, de Pepeu, o      The Brazilian Crickets, de Jeff César, o Eles Quatro, de Plínio, Os Jetsons, de Perinho Santana, Os Sombras, de Augusto e Sérgio, além de outros que se apresentavam em festas como os Jormans, Os Desafinados, o Brasa Bossa, Os Mustangs e o The Lords.

                              Ele teve aí no "Balbininho"!


Enquanto a ditadura campeava a geração do rock que eu participei parecia mandar tudo, inclusive a política, pro inferno. Foi pra compensar um pouco desta atitude alienada que eu resolvi fazer uma homenagem a Roberto Carlos no dia de seu aniversário com uma das leituras possíveis das suas músicas, relacionando política e futebol.

Roberto nasceu quando o Galícia, conhecido como demolidor de campeões, começava a ganhar seu histórico tricampeonato na Bahia. Gravou o seu primeiro compacto quando o EC Bahia levantava a I Taça Brasil(1959) e seu primeiro álbum quando o tricolor decidia de novo este certame nacional, embora perdesse pro Santos.

No entanto, em pleno ano do golpe militar, enquanto o Vitória voltava a ganhar o título baiano, o artista só se preocupava com “tirar faísca” nos beijos empolgados de É proibido fumar. Algum fã mais exaltado pode me contestar dizendo que a música queria dizer que agora passariam a ocorrer todo tipo de proibição, inclusive do fumo. Quem sabe? Isso até que poderia ser uma leitura, ainda mais que ele lançou nesse ano O calhambeque que pode assinalar também o predomínio de coisas velhas.

                Quem era então mais conhecido, ele ou o papa?


Seja como for Roberto, que é visto pelos cientistas sociais como um artista que conseguiu sobreviver aos tempos de censura e ditadura praticamente incólume, resolveu, enquanto o rubro negro baiano faturava um “bi” em 1965, depois de 44 anos, mandar “tudo pro inferno”. Quem acha, no entanto, que a mesma teve significado político, outro sucesso de seus sucessos deste ano Gosto do jeitinho dela.

Em 1966 já havia ficado evidente que a ditadura tinha vindo pra ficar, sendo lorota este “papo” de que seria uma intervenção breve pra “tirar os comunistas e os corruptos do poder”. Na ocasião “rola” na imprensa todo o conflito da entrada de capital estrangeiro no setor de comunicação e os estudantes saem as ruas pra protestar.

Havia uma crise do futebol baiano que iria dar uma grande “zebra” no campeonato, a AD Leônico, que conseguiria o seu único título ao ganhar as finais para o Vitória. Nesse tempo Roberto grava músicas ambivalentes. Essas se de um lado falam á ditadura “o que é que vou fazer se te perder”, de outro enxerga legitimidade no movimento dos estudantes ao afirmar, em Negro gato, que “há tempos eu não sei o que é um bom prato”.

                          Esse também é do meu tempo!
                                     

Os estudantes continuariam nas ruas embalados pelas palavras de Roberto que dizem que “eu tenho tanto pra lhe falar” e “eu sou terrível”. Mas ao mesmo tempo alerta para que “não corram demais”.

1968 não foi apenas um ano inesquecível que não terminou. O Galícia conseguia depois de muitos anos voltar a ser campeão baiano e Roberto lançava músicas extraordinárias. Será que não se referiam á situação política do país? O que dizer então da que compôs com Erasmo, Se você pensa onde diz que “você tem que aprender a ser gente, e que seu orgulho não vale nada”? Ou aquela que fala em “te contar como sofri”?

Mas a edição do AI – 5 no fim do ano faria com que o Brasil vivesse anos de chumbo. O Fluminense de Feira de Santana ficaria de novo com o título que havia ganhado pela primeira vez antes da ditadura e Roberto, por coincidência, aproveita a ocasião para gravar músicas onde mostra as dificuldades das curvas da estrada de Santos e afirma, entre outras coisas, que “tenta esquecer um amor que eu tive e vi pelo espelho na distância se perder”? Ou a que fala que “as flores do jardim da nossa casa morreram todas”? Na ocasião Roberto alerta a oposição armada que “conte até três, se precisar conte outra vez”.

                               Pera ái, não é esse não!


Os tempos do general Médici veem começar na Bahia uma hegemonia quase absoluta do EC Bahia, que só se interromperiam em 1972 com a conquista do EC Vitória. Na ocasião o artista entra em um período de introspecção, saudosismo e religiosidade, onde critica “este mundo desamante” onde “dois e dois são cinco” e pede ao amigo Jesus Cristo que “volte logo” pra ensinar seu povo que “não sabe onde vai” numa época onde tudo são “detalhes”. Em 1972 continua na afirmação espiritual a esperança é os jovens voltarem se amar, mas só “quando as crianças saírem de férias”.

Em 1974, quando o EC Bahia reina absoluto no certame do estado e a crise econômica mundial força o projeto que se chamou de abertura política  várias músicas de Roberto podem ter uma leitura “política”. Diz, por exemplo, que “o bem e o mal existem, você pode escolher” é por isso que é preciso “saber viver”. No ano seguinte pediria ao povo para “seguir comigo o meu caminho” pois “se você não vem comigo tudo isso vai ficar no horizonte esperando por nós dois”.

Que “você me mostrou o amanhecer de um lindo dia”, que “tem medo de fazer planos” e até pede a Lady Laura pra lhe levar pra casa. Na ocasião afirma que age por uma força estranha e “canta somente o que não pode mais calar” no estilo de artistas como Ivan Lins, Chico Buarque e Gonzaguinha. E ao serem aprovadas, em 1981, pelo menos as eleições de governadores, onde a oposição ganharia em nove estados fala em Emoções que “vive este momento lindo”.

        Nossa, esse era do tempo em que se chamava LP!


Apesar de este período haver músicas ambivalentes prefiro ficar com o clima de fera ferida. Ainda mais que iria começar a campanha terminal da ditadura, a Diretas Já, que coincide na obra de Roberto Carlos que nos informa em Caminhoneiro que “já pintou no para-choque um coração e o nome dela”.

A ditadura acabou, e Roberto, não sei se por agradecimento, voltou-se mais uma vez para os temas religiosos. O Vitória ganhava o primeiro campeonato baiano após a infausta presença dos generais no poder. Só que, em vez de vir um regime de justiça e liberdade que sonhávamos, acabou vindo isto aí que temos até hoje.


·          Agradeço as informações do jornal A Tarde. Sou grato as imagens dos blogs musicasdegraca.com,primavera.tbrasil.net,tudocom.net, s2cappuccino.blogspot.com, sitesnobrasil.com, blogebol.blogspot.com e sabetudo.net.






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