domingo, 15 de maio de 2011

A Bahia contra o Brasil

        
Juro que o artigo de hoje não tem a ver com política. É certo que o nome engana. Afinal, houve momentos em nossa história quando a Bahia, ou pelo menos parte dela, ficou contra o consenso das elites no Brasil. E isso ocorreu algumas vezes. No tempo das capitanias hereditárias a da Baía de Todos os Santos foi uma das poucas que progrediu e despertava os maiores ciúmes. E que dizer do dinheirão gasto por espanhóis e portugueses pra derrotar os holandeses na Bahia?
O tempo corria e muitos invejosos continuaram combatendo os “privilégios” da Bahia. Foi por isso mesmo que foi o primeiro estado em que a corte portuguesa de Dom João aportou. Quando outorgaram a tal da constituição, a Bahia ficou com mais deputados, mas esses eram mais representantes de seus interesses dos que os do povo baiano.
Mas, a partir deste Século XIX, as coisas engrossariam. A monarquia, repetidas vezes, mandou tropas para acabar com as revoltas de muitos baianos. Tanto fez que as elites do estado apoiaram Dom Pedro II até o fim. Aí a “Bahia” ficou contra a chamada república, que, como todos sabem, não é lá grande coisa.

                                                 Quem é que tem o Elevador Lacerda?

Mas depois foi ainda pior, pois os baianos pegaram em armas pra defender o presidente Washington Luiz, que... foi deposto pela chamada revolução de 30. Aí pegou mal, pois teve que aguentar vários interventores.
Mas o artigo de hoje trata do tempo em que a Bahia foi contra o Brasil também no nosso maior esporte, o futebol. Foi no Campeonato Brasileiro de Seleções, que, tal como na política, sempre foi cheio de maracutaias. Foi criado em 1922, mas nos primeiros anos só se jogou a fase final em São Paulo. Adivinhem quem ganhava?
Foi nesse tempo que foi construído o velho estádio da Graça, e até que a Bahia não foi mal. No primeiro certame os baianos foram buscar os mosquetes da guerra contra os holandeses e os surrados uniformes da guerra civil 1822/1823 e se prepararam pra enfrentar todos os demais estados. Fizeram uma cara tão feia que Pernambuco desistiu, tomando WO. Então nosso selecionado viajou de navio pra São Paulo pra “fase final”.
                                                         Pô, nem Che veio á Bahia!

Logo de saída conseguiu um bom empate contra o Rio de Janeiro por dois gols, mas cairia pros paulistas por três a zero.  Depois disso a vitória contra os gaúchos (1 X 0) serviria pra garantir o terceiro lugar. A colocação animou os baianos e foi saudada pela imprensa. Mas, esqueceram-se de dizer pros torcedores que só houve oito seleções disputando.
No ano seguinte os baianos ficaram ainda mais animados. Desta vez o certame estava mais organizado criando zonais. Colocaram a Bahia na zona norte, onde já se viu? Mas os baianos passaram logo pelo Pará (1 X 0) e ganharam essa verdadeira “zona”.  Naquele tempo as viagens de barco demoravam e tinha gente que enjoava. Mas nosso selecionado enfrentou galhardamente a situação. Desta vez, porém, as partidas eram eliminatórias, e caiu logo de primeira para o Rio de Janeiro (0 X 2). Quem tentar pesquisar nos jornais da época vai ver que a imprensa bairrista local quase não divulgou o ocorrido.
Foi nessa ocasião que os cariocas começaram a reclamar da tirania de São Paulo ameaçando retirar-se do certame. Aí passaram a programar as finais “alternadamente”, quero dizer só nesses dois estados. A diferença pros baianos era que diminuía as horas de viagem a que eram obrigados pra jogar a fase final.
                                                        E quem tem João Ubaldo?

Pra CBD em 1924 a Bahia era no Norte e assim continuou no campeonato de seleções. E não é que de novo foi campeã da zona? Desta vez arrasou os cearenses (6 X 1) e os pernambucanos (7 X 2). Aí os baianos nem sentiram a viagem para o Rio, onde foram crentes que “estavam abafando”. O resultado, porém, foi uma tragédia, sete a dois para os cariocas. Reclamaram tanto que no ano seguinte a CBD colocou os baianos na Zona Nordeste. E isso antes da Constituinte de 1946 criar as regiões brasileiras!
Na nova zonal a Bahia seria de novo campeã. Também só ganhava por aqui! Deu de oito a dois na Paraíba e de quatro em Pernambuco. Nova viagem para a “fase final” e nova eliminação pelos cariocas (0 X 2). Mas o ano seguinte jamais será esquecido pelos baianos. Começaram bem sendo tetracampeões de sua zonal, onde enfiaram cinco a zero nos paraibanos e oito a um nos pernambucanos.
Nessa época os baianos lideravam efetivamente o futebol de Minas pra cima. Era tanto que nem se sentiam nordestinos. Muita gente havia reclamado que nosso selecionado havia sido tímido no ano anterior. Afinal, tínhamos condições de disputar de igual para igual com qualquer estado. E aí chegou o dia 24 de outubro de 1926 quando os baianos chegaram de viagem no dia do jogo.
Paul tem que fazer shows também na Bahia! 

Não sei se foi convencimento, cansaço ou qualquer outra coisa, que jogaram de “peito aberto” contra os paulistas, sofrendo uma das maiores goleadas da história desses certames ao serem destroçados pelo extravagante escore de treze a um! Se há um motivo pra Bahia ter entrado em guerra por duas vezes contra os paulistas, em 1930 e 1932, certamente foi por isso.
Cansada de viagens (e apanhar nelas) os baianos pressionaram pra mudar o esquema da “fase final”, o que acabou sendo atendido apenas parcialmente. É que inventaram o “mata” de apenas um jogo. A Bahia até que começou bem no novo sistema, ganhando de Santa Catarina (8 X 5) e para o Paraná (3 X 2), mas depois teve que fazer nova viagem para São Paulo... sendo fuzilada por sete a um!
Os baianos não aguentavam mais desta tortura. Teve gente até que ficou contra o governo que permitia esses desmandos. Aí a CBD voltou ao sistema anterior das zonas, com a Bahia no Nordeste. Nesse ano nosso selecionado se preparou com antecedência. Chegou ao certame “nos trinques”. Foi beneficiado pela tabela jogando na fase apenas com Alagoas e Sergipe, os quais arrasou por onze a um e onze a zero.
                                                      E naquele tempo nem existia avião!

Chegou então á hora da fatídica viagem e lá foi a nossa seleção. Desta vez chegou alguns dias antes se preparando pro confronto com os cariocas que a CBD sempre colocava em seu caminho. Dessa vez não foi fácil a sua eliminação, os baianos “jogaram duro”, mas acabaram levando um gol que liquidou as suas pretensões.
No ano seguinte continuou a “esculhambação” da CBD, agora incluindo os baianos na Zona Leste. Nosso selecionado ganhou de Sergipe (8 X 3), Alagoas (4 X 2) e Espírito Santo (4 X 2) e viajou pro Sul com espírito renovado.  Se ofereceram tanta resistência pros cariocas não podia ser diferente com os paulistas. Aí “viajaram na maionese” levando sete dos paulistas em São Paulo.
Não sei se por cansaço dos baianos de tanto apanhar ou por causa da revolução. O certo é que não houve o certame de 1930. Mas no ano seguinte a Bahia continuaria sua sina. Ganharia de Alagoas (8 X 0) e Sergipe (7 X 1) e viajaria pra perder no Sul, desta vez novamente dos cariocas por seis a zero.
                                                   Porque Bob Marley não veio á Bahia?

Os baianos, porém, já tinham enchido o saco. Afinal, haviam sido contra o novo regime onde continuavam a apanhar no futebol. Outro problema é que boa parte dos clubes locais ficou contra a introdução do profissionalismo. A crise era grande, não havendo o certame de 1932, quando da revolução constitucionalista, e em 1933 só se inscreveram cinco seleções, sendo a primeira vez que os baianos não participaram.
A crise se precipitou em 1934 quando foram organizaram dois campeonatos, um no Sul e o outro... na Bahia(acreditem!). Era a grande chance dos baianos, que tiraram do armário as calças e culotes da Sabinada e não deu outra coisa. Estrearam massacrando os pobres sergipanos por oito a zero. Logo a seguir ganharam de cinco a três dos potiguares, classificando-se para a final contra os temidos paulistas.
Março de 1934 é um mês tão importante para a Bahia que julho de 1923. Os baianos começaram derrotando os paulistas por quatro a dois. Bastava uma vitória por qualquer escore pra faturar o título inédito de campeões brasileiros, mas acabaram perdendo por três a dois. Foram então para a grande final do dia onze de março de 1934. O campo da Graça estava apinhado de gente, que viu o goleiro Zequinha e o zagueiro Popó fazer uma esplêndida atuação, que garantiu a vitória baiana por dois a zero.  
                                                 Pra que tanto time, bastava os baianos!

Nesse dia heroico a Bahia jogou com Zequinha, Popó, Bisa, Milton, Dourado e Gia; Ismael, Mila, Romeu, Pelágio e Almiro. Foi uma festa que fez o Dois de Julho “fichinha”.  O exército baiano foi saudado em prosa e em verso havendo só quem lamentasse Castro Alves não estar vivo pra eternizar esse momento com imorredores versos.
A Bahia havia vencido o Brasil, pelo menos no terreno do esporte. Enquanto isso no campeonato profissional São Paulo ganhava mais uma vez. Até hoje se disputa quem realmente foi campeão de 1934, mas os baianos sabem perfeitamente quem foi.
NO ano seguinte não houve quem aguentasse a empáfia baiana. Sergipe até que se assanhou (4 X 2), mas os pernambucanos nem aqui apareceram perdendo de WO. Aí voltaram as viagens. Mas a seleção conseguiu ganhar o Estado do Rio (5 X 4) e chegou com moral pra enfrentar os cariocas. O campeão brasileiro, porém seria uma pálida imagem do ano anterior sendo estraçalhado por aquele selecionado por esdrúxulos nove a dois!
                              Quem é que tem o marco português apesar de não ser esse?

Os baianos haviam sido “colocados em seu lugar”. Mas não havia no estado quem admitisse isso. A imprensa local já havia imaginado que estávamos no patamar mais alto do país. No campeonato de 1936 deu pra “enganar”, afinal ganhamos de cinco a dois de Sergipe e perdemos de São Paulo por quatro a dois. Mas os nossos confrades preferiram falar de acidente de percurso.
O golpe do Estado Novo interrompeu o certame quando os baianos estavam crentes que faturariam novo título. O certame do ano seguinte mudou de novo a forma de disputa para “mata”, e foi um alerta, pois, apesar de passar pelos sergipanos (6 X 2) os baianos seriam eliminados pela primeira vez pelos pernambucanos (1 X 2).
Em 1939 a CBD voltou a organizar o campeonato por regiões. A Bahia caiu na terceira e, mais uma vez, se desvencilharia de Sergipe (8 X 2) e Alagoas (4 X 1). Mas, quando chegou as semi finais, os baianos “se acharam” se recusando a viajar pra enfrentar os paulistas perdendo de WO.
                                                          Até Freddy já veio na Bahia!

A Bahia havia perdido cartaz e, no ano seguinte, foi incluída numa tal “fase eliminatória” onde, apesar de arrasar os alagoanos (12 X 1) seria eliminada pelos capixabas (0 X 1). Fomos salvos pela CBD que voltou ao “mata mata” em 1941, onde, pelo menos, os baianos se vingaram dos capixabas (3 X 0) e voltaram a seus grandes dias eliminando cearenses (4 X 3) e pernambucanos (2 X 1). Aí aceitaram a tal da viagem da semi final... apanhando dos cariocas por seis a zero.
A nova derrota na viagem levou a não participação da Bahia no ano seguinte pela segunda vez. Só voltaria no ano seguinte quando quase todo o Nordeste participou. Desta vez colocaram o estado na segunda fase, onde eliminou Sergipe (3 X 1 e 2 X 2) e teve outro alerta dos pernambucanos. É que os baianos suaram pra eliminar o seu tradicional freguês. Perderam de três a um em Recife e ganharam de três a zero na Graça, conseguindo um gol decisivo na prorrogação que antigamente era contada como um jogo á parte. Na chamada fase inter-regional cairiam, entretanto, pros gaúchos, ganhando aqui (3 X 0) e perdendo lá (4 X 1 contando com a prorrogação).
O certame se fixava agora nas regiões, e a Bahia no Nordeste. Mas, o penúltimo ano da guerra, não será esquecido pelos baianos. Naquele ano haviam eliminado Sergipe com duas vitórias (2 X 1 e 5 X 0), ficando pra decidir a região com Pernambuco. A partida da Graça, porém foi muito difícil apresentando empate em dois gols. Os baianos teriam que vencer em Recife pra ficar com a vaga. Mas como tinham feito isso em Sergipe não estavam tão preocupados adotando a tal tática de “peito aberto”. Dezoito anos depois da fatídica goleada dos paulistas, no dia 22 de outubro de 1944, os baianos foram literalmente arrasados por nove a um! Não faltou quem dissesse que era vingança em função do Conde dos Arcos ter mandado tropas pra Pernambuco para sufocar a revolução de 1817.
                                            Messi e Pique vem jogar na Bahia algum dia!

Só aí é que “caiu a ficha” dos baianos. Faltava ainda muito para que estivessem na linha de frente do futebol brasileiro e tinham que tomar medidas pra mudar a sua situação. Foi aí que colocaram a pedra inaugural da Fonte Nova. Depois da guerra ainda haveria outro certame, onde a Bahia passaria com muita dificuldade por Alagoas (1 X 0) e se vingaria dos pernambucanos, vencendo no campo da Graça graças a um gol na prorrogação. Mas tropeçaria feito nos gaúchos caindo de quatro no velho estádio.
Depois disso campeonato de seleções só mesmo no ano da Copa do Mundo de 1950. A Bahia entraria na fase dois goleando Sergipe (4 X 0) e depois passaria mais uma vez pelos pernambucanos (2 X 1), mas ficaria de novo nas margens do Rio Guaíba com duas derrotas para os gaúchos.
O novo estádio da Fonte Nova viu esse certame por cinco vezes, 1952, 1954, 1956,1959 e 1962. Nas duas primeiras vezes a Bahia foi incluída na Quarta região, onde estavam seleções do Extremo Sul do país. Entrou em terríveis batalhas com o Paraná, quando foi arrasada na Fonte Nova (1 X 5) e recuperou-se no Paraná. Nesse ano passaria pelos catarinenses, mas seria devidamente enterrada pelos gaúchos. Na segunda vez, após ser goleada (1 X 4) retribuiria a gentileza, mas perderia em casa na prorrogação.   
                                Em que lugar vocês vão encontrar tanta lama quando chove?

Em 1956 a CBD juntou as regiões caindo a Bahia na zonal “Nordeste-Leste” onde passaria pelos capixabas (4 X 1 e 3 X 1) e seria eliminada pelos mineiros (0 X 1 e 3 X 4). Três anos depois seria transferida pra zonal “Centro Oeste-Sudeste”(sic!)eliminando os capixabas(3 X 0 e 0 X 0)e reencontrando os paulistas depois de muito tempo.  O episódio foi, no entanto, trágico. Se os baianos ainda conseguiram perder só de dois a zero na fonte do futebol, no Pacaembu não teve choro nem vela, caindo de sete de Pelé, Coutinho, Pepe e Cia, e isso três meses antes do EC Bahia conquistar a I Taça Brasil.
A CBD já estava em “outra”, preocupando-se agora com os torneios de clubes que eram política e financeiramente mais lucrativos. O certame de seleções passou a ser jogado então de três em três anos. A seleção baiana voltaria a campo em 1962 num certame organizado em fases. Entraria na terceira passando pelos goianos (2 X 2 e 2 X 0), mas seus sonhos seriam levados pelas cataratas do Iguaçu perdendo as duas para os paranaenses.
Foi a última vez que no futebol a Bahia foi contra o Brasil. Até suas elites haviam aprendido. Em 64 se juntaram com mineiros, paulistas e norte-americanos pra patrocinar o golpe, e, até pra tirar os militares, vinte anos depois, foram buscar um mineiro, que acabou substituído por um maranhense. Depois dessa época aceitaram de tudo, alagoano, paulista, mineira, e até um pernambucano. Quem te viu, quem te vê!

·     Agradeço ao site RSSSF Brasil e aos blogs digauai.com, recentes.uol.com.br e bahiacolecoes.com.br.

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