terça-feira, 17 de maio de 2011

Festa do interior dos baianos... na Europa


                                                  Nesse tempo Gal Costa era asssim!
                    
                                                                                     Fagulhas, pontas de agulhas
                                                                                     brilham estrelas, de São João.
                                                                                     Babados, xotes e xaxados
                                                                                     segura as pontas, meu coração. 
                                                                                                  Moraes Moreira e Abel Silva

Em 1957 os baianos conheceram o mundo. Todo o mundo desportivo já tinha saído do Brasil. Nem vou falar do Botafogo, Corinthians, Palmeiras, Santos e Vasco da Gama. Lembro apenas da Portuguesa, Canto do Rio, Taubaté, Jabaquara e outros bichos.  Mas quando souberam que os pernambucanos iam em excursão á Europa consideraram um acinte á honra da Bahia. O governador Antônio Balbino chegou até a reclamar de JK: ou iam também os baianos ou não ia ninguém.
Desta vez não tinha saída. Tinha-se de arranjar uma viagem dos baianos a Europa de qualquer jeito. E aí entrou até o Ministério de Relações Exteriores. Mas não era fácil levar baianos para o exterior. Naquele tempo o turismo era muito pouco desenvolvido, e, os europeus só conheciam da Bahia o Elevador Lacerda e Jorge Amado, e ainda por cima pensavam que Salvador fosse na América Central.
Por fim arranjaram um empresário que conseguiu acertar alguns jogos e os tricolores também colaborou aceitando receber cotas chinfrins pelos jogos e até viajar sem programação. O resto das partidas dependia dos resultados. Era a hora e vez da Bahia. Nada de Paris, mas, quem sabe, se não acabariam passando por lá?
                      Pô, podiam pelo menos ter ido á Escócia ver o monstro do lago Ness!

Lembro-me bem daquele mês de abril de 1957 quando a delegação do Bahia embarcou para as “Oropa”. Na despedida no porto foi o maior chororô das famílias, pois só se sabia o dia da ida, não havendo a menor ideia de quando voltavam. Além do mais iam para um monte de terras estranhas.
Falava-se numa tal de Praga. Será que iriam jogar praga nos baianos? E se passassem na Romênia onde se dizia que havia vampiros? Havia até quem trocasse a Europa pela Argentina pedindo que trouxessem discos de tango. Os confrades dos Diários Associados estavam exultantes. Logo eles que só se preocupavam com o “Velho mundo” agora viam, enfim, reconhecida a Bahia.
E olha que a estreia do EC Bahia foi de um luxo só. Foi em Londres, com Big Ben e tudo, contra o Chelsea, embora na época não fosse famoso como é hoje. E ainda foi mal, perdendo de três a um. Mas a imprensa baiana deu o desconto, pois não era todo dia que se jogava em Londres. As más línguas ainda debitaram a derrota aos passeios da delegação no Rio Tamisa e suas noitadas nos pubs londrinos.
                                                             Vejam que traquilidade....

Logo depois o tricolor toparia com o Bradford, que também disputava a liga inglesa e sofreria outra derrota: cinco a três. Havia passado mal na terra da raínha. Três dias depois a equipe atravessava o Canal da Mancha (ah o canal, como suspiraram os baianos!) pra enfrentar a seleção do porto de Le Havre. As desconfianças desta tal seleção se confirmaram no resultado, cinco a um pro tricolor. Mas os confrades dos Diários Associados deram manchetes ao fato do Bahia “ter ganhado na França”.
Logo depois a equipe pegou o navio para outro porto o de Hamburgo. Mas ao invés de enfrentar a conhecida equipe local acabou jogando contra um combinado da segunda e terceira divisões do país. A partida parecia uma cópia de Le Havre, mas não teria nada a ver, resultando numa derrota feia por quatro a um. Osório aí se preocupou com as repercussões da excursão na Bahia, ainda mais que jogariam três dias depois com o Eintracht Frankfurt outra das boas equipes alemãs. Pediu então ao empresário pra “maneirar” com esses times e colocar outras seleções de portos pra jogar.
Mas no dia 14 de abril de 1957 em Frankfurt não teve nem conversa, com o Eintracht local aplicando seis a três no tricolor. Enquanto isso a torcida rubro negra que ficou aqui dava frouxos de riso. Em cinco partidas o Bahia havia tomado 19 gols e só tinha ganhado os estivadores de Le Havre. Osório então decidiu reagir mandando vir ainda mais jogadores da Bahia pra reforçar a delegação.
 Biriba tinha medo de avião!

E não é que deu certo? O tricolor conseguiu ganhar uma obscura Seleção da Juventude de Praga (que deve ter jogado a maior praga nos baianos) por três a dois. Mas no mesmo dia o “expressinho” tricolor caía perante o seu arquirrival EC Vitória em Salvador por dois a um!
Com a vitória o empresário resolveu marcar dois jogos em 24 horas contra dois dos melhores clubes da Tchecoslováquia, o Slovan Bratislava e o Estrela Vermelha. Era tudo ou nada e Osório suou frio, se voltasse a fazer feio era caixão e vela voltando “com o rabo entre as pernas” da Europa. Mas, o tricolor surpreendeu obtendo bons resultados, vencendo o primeiro (1 X 0) e caindo para o segundo (2 X 3).
A despedida do país foi com dois jogos importantes, sendo o primeiro com a Seleção da Tchecoslováquia (que nem mais existe) que estava treinando pra copa do ano seguinte. Mas as gozações baianas sobre pragas fez com que Osório não aceitasse o jogo na capital, indo jogar em Kosive, que fica no leste do país. Só deu tempo dos jogadores conhecerem o palácio municipal (que aliás, não acharam nada de mais) e estrear na noite do meu aniversário de nove anos. Mas não é que ganharam sensacionalmente por três a um?

                                                     E não tinha nem cerveja Itaipava!

A vitória foi cantada em prosa e verso na Bahia. Visitar a Europa e ainda ganhar de uma seleção importante? Era a glória, e não faltou quem quisesse inscrever o dia da partida nos anais da Câmara Municipal. Um vereador governista, no auge da animação, observou que o feito seria equivalente á fundação de Salvador ou a chegada da Corte Portuguesa por aqui.
E a torcida tricolor ficou impossível quando, quatro dias depois, o time jogou na Bohemia ganhando do Spartak Pilsner pelo mesmo escore, enquanto o "expressinho" que havia ficado aqui ganhou um amistoso contra o Galícia por dois a um. Os torcedores rubro negros disfarçavam como podiam a sua inveja. Falavam que todo mundo sabe que Bohemia é marca de cerveja e que Pilsner é um tipo de cerveja clara, o que deixava claro que o tricolor havia jogado com uma fábrica de latinhas da bebida. Mas a imprensa nem os ouvia, só queria saber do que acontecia nas “Oropa”.
A equipe baiana passou o dia internacional dos trabalhadores em Bruxelas onde jogou com uma seleção local... e venceu novamente por dois aum. Decididamente a reação do tricolor havia começado. Três dias depois estava na Dinamarca onde foram á cidade industrial de Aalborg na Jutlandia. Nunca haviam ouvido falar dela antes, mas tinha quase 1.300 anos. Antes de ir para o estádio comeram uns chocolates na Praça Nytorv. Mas os estrangeiros não fizeram jus aos encantos da cidade caindo pra Biriba e Cia por cinco a um.

                                               Os jogadores voltaram cheios de "carrão"!

De novo as mágoas rubro negras se fizeram notar. Não é que inventaram que o tricolor havia jogado com um time de albergue? Nenhum baiano que se preze sabia onde ficava a tal da Jutlândia. Foi a maior gozação da paróquia! Ainda mais que a boa fase tricolor parou no empate em três gols com o Aarhus. Mas era sacanagem, pois a cidade era importante, além de ser a segunda maior da Dinamarca era também um porto famoso que os jogadores conheceram.
Aliás, esse foi o comentário na Fonte Nova, seja um dia depois, quando o Bahia derrotou o Guarany (6 X 3) pelo certame baiano, seja, dois dias após, quando os rubro negros foram assistir a temporada do Bangu que estreou enfrentando o Vitória... e ganhando pelo escore mínimo.
Era demais, enquanto o Vitória perdia aqui o Bahia ganhava na Europa. No outro dia o esquadrão se apresentaria na capital dinamarquesa onde venceria a Seleção de Copenhagen por escore de “baba”, cinco a quatro. O consolo dos rubro negros foi que a própria seleção baiana cairia frente ao Bangu por três a um.

                                                             Que frio na Rússia hein!

O Bahia agora iria à Alemanha, onde pararia no estado de Hessen enfrentando o Kassel. Como os tricolores estavam “abafados” só deu mesmo pra visitar um castelo (que espero que tenha sobrevivido) e ir para o estádio aplicar nova goleada de cinco a um. Voltou então para a Bélgica onde, enfim, pode descansar antes de enfrentar o Standard de Liége. Nesta bela cidade, onde o tricolor voltaria três anos depois, os baianos passearam a valer pelo rio Meuse, mas á noite só conseguiriam o empate em um gol contra a equipe da casa.
Como tudo era ali perto mesmo, três dias depois viajavam de ônibus para a terra dos moinhos pra enfrentar o Shelman (sic!).  Olhem me desculpem mas nem eu consegui achar esse time na pesquisa na internet. Na época todos eles eram apresentados pelos confrades da Bahia como se fossem um Barcelona ou Manchester United da vida. E qual não foi a surpresa dos baianos quando o Bahia perdeu por três a dois?
Aí os torcedores rubro-negros voltaram a se animar e recomeçaram as gozações. Diziam que o Bahia voltara a ser o mesmo e a reação foi só deslumbramento com a Europa. Enquanto isto a delegação tricolor penava. Já estava há um tempão no “Velho mundo” e não havia mais jogos tendo que esperar no hotel pro empresário agendar partidas.

                                               Osório não conseguiu enrolar os europeus!

Foram então pra Suíça jogar com o Basel. Pelo menos deu pra ver quanto era organizado aquele país. Florisvaldo, porém não entendeu nada. Também tinha razão, afinal em cada lugar que passavam se falava uma língua diferente! Essa babel pode ter influenciado na nova derrota do tricolor por dois a zero.
Aí Osório pediu novamente ao empresário pra “maneirar”. Era preciso arranjar uns times mais fracos pro Bahia jogar senão como é que teriam cara de voltar pra casa? Voltaram então para a Holanda para jogar contra o Denion (?) e conseguiram se recuperar empatando por dois gols. Depois disso passaram mais uma vez na Bélgica onde venceram o Alianza Copenhagen (sic!) por quatro a dois, e, por fim foi a vez da revanche na Suíça contra o “conhecidíssimo” Baley vencido por cinco a um.
As partidas contra esses monstros, porém, não “passariam batidas” na Bahia. Os despeitados rubro negros encarnaram. Diziam que o Denion (também chamado VW quase como a Volkswagen) mais parecia com iogurte, que o tricolor só ganhava na terra do chocolate e que o Baley era um time de dançarinos da Suíça.

                                                            Nem foram a Roma!

Só então que o empresário julgou o esquadrão preparado para ir á terra do frio, a Rússia. A chegada da delegação a aquele país aterrorizou as suas famílias no Brasil. Afinal, estávamos em tempos de Guerra fria e se dizia que os comunistas comiam criancinhas. Mas o filosofo Biriba quando voltou disse que não viu se comer nenhuma.
O Bahia estreou na Rússia jogando contra Torpedo de Moscou, mas quem foi torpedeado foram os russos que perderam de dois a um. A surpresa do resultado fez com que Osório levasse a delegação pra visitar a Praça vermelha onde estiveram até no Palácio do Kremlin ás vésperas da comemoração dos quarenta anos da grande revolução russa. E olhem que no mesmo dia o misto quente do tricolor empatava em Salvador com o Ypiranga em um gol.
As energias da revolução contaminaram a equipe que venceu logo depois o Zenith por quatro a três. Depois, porém voltaram os “tais jogos” de Osório. Assim, o tricolor jogou em Minsk, contra o Spartak local, onde empataram em um gol, e, logo após, com o Kieschienov (?), ao qual venceram por um a zero.

                               Pelo menos encontraram com Ana Paula Arósio no Big Ben!

Somente depois é que voltaram a Moscou para empatar com o Lokomotiv por dois gols. Logo depois viajaram de novo pro interior pra enfrentar o Kruschev (seria o time do secretário geral do PCUS?) e o Kharkov, ganhando o primeiro por dois a um e empatando sem gols com o segundo. A leitura desses jogos na Bahia continuava a ser completamente diferente. Enquanto o Diário de Notícias e o Estado da Bahia colocavam os tricolores “lá em cima” para os rubro negro eles não faziam mais do que “descer a ladeira”. Imaginem que para eles quem tinha torpedo era submarino, (logo haviam enfrentado um time da Marinha) além do mais não teria conseguido ganham nem da equipe da rede ferroviária, a tal da locomotiva!
Chegou então ao dia da despedida dos baianos dos campos da Europa. É bem verdade que num frio desgraçado da URSS, em plena Ucrânia. Os jogadores chegavam a estar emocionados. Era o último jogo e depois voltariam para as suas famílias após tantos dias fora de casa. Talvez tenha sido por isso que tenham se dado tão mal perdendo para o Dínamo de Kiev por três a um.
O sonho dós baianos de conhecer a Europa tinha virado realidade. Abriram caminho para que o Vitória, o Galícia, e o próprio tricolor ali voltassem. Mesmo que nem todos os clubes enfrentados fossem de primeira linha o saldo era bastante positivo, 15 vitórias, 6 empates e 8 derrotas, havia marcado 71 e sofrido 59 gols.

                                                              Ah, saudades de Liége!

Mas aí Osório resolveu marcar o reencontro com sua torcida na data magna da Bahia, o dois de julho, tomando cuidado pra programar um jogo bem chinfrim para a cansada delegação do Bahia. Convidou assim o Bahia de Feira para homenagear os desbravadores da Europa. O resultado foi trágico, três a um pro tremendão do sertão, que passaram a acreditar que também podiam ter ido á Europa. Ora, durma-se com um barulho desses!

·         Agradeço ao Almanaque do Futebol Brasileiro e ao site Futebol multimídia.

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