sábado, 14 de maio de 2011

O tutu mineiro contra a moqueca baiana

                                            Vatapá, carurú e acarajé, querem melhor? 

Durante pelo menos dois séculos a Bahia reinou absoluta no Brasil, disputando apenas com Pernambuco a primazia entre as capitanias. Mas não é que foram descobrir ouro e pedras preciosas em Minas? Daquela época pra cá os mineiros “se acharam” passando a ser o centro do Brasil. Os baianos concorreram como puderam. Até descobriram ouro também em Jacobina, na Chapada Diamantina e outros menos votados mas não deu, e Ouro Preto e outras cidades estão aí até hoje pra testemunhar isso.
Imaginem que dizem até que se revoltaram mais cedo que os baianos. Mas, enquanto os mineiros fizeram apenas uma “inconfidência” onde participaram as elites os baianos “quase” fariam uma revolução popular batizada pelos mineiros de movimento dos “alfaiates”. No Século XIX os cariocas passaram também a disputar com os baianos destronando o tradicional porto da Baía de Todos os Santos. Mas os mineiros continuaram ousados e não é que acabaram fazendo um pacto para que Dom Pedro I ficasse no Brasil?
Desde essa época tudo começou a mudar no país. A Bahia e o Nordeste foram colocados para escanteio passando tudo a ser ditado pelo eixo Rio-São Paulo e Minas. Precisou duas revoluções pros gaúchos entrar nesse clube do bolinha.
                                        Nossa, não há quem resista a essa farofa mineira!

Quando surgiu o futebol não deu outra. O da Bahia saiu na frente do de Minas. O EC Vitória (o clube mais antigo da Bahia) seria fundado em 1899 enquanto o Atlético Mineiro (o mais antigo de lá) só em 1908. Nessa época os baianos já faziam seu quarto campeonato enquanto os mineiros só iriam criar o título de campeão estadual em 1927 e campeonato mesmo só seis anos depois.  Quanto aos outros clubes nem é bom falar. O Vila Nova é de 1908, o América de 1912 e o famoso Cruzeiro só iria ser criado em 1921 mas só emplacou quando mudou de nome.
Os mineiros “se acham” também no futebol. Demoraram pra começar a jogar na Bahia. Somente quatorze anos depois da inauguração do estádio da Graça é que o América apareceria em Salvador. Chegaram antes do carnaval de 1936 e não é que saíram invictos? Empataram com Bahia e Galícia em um gol e ganharam do Vitória por quatro a dois.
Como gostaram do que viram apareceram de novo no ano seguinte, pra jogar com quem tinha faltado. Desta vez não seriam tão bem sucedidos. Em primeiro lugar pelos resultados no campo, pois, se ganharam do Ypiranga (4 X 0) perderam para o Botafogo (2 X 3). Mas o pior mesmo foi o golpe de Getúlio Vargas, que ocorreu pouco depois e instituiu tal de Estado Novo, que de novo mesmo não tinha nada.

                                                          Êta pão de queijo "bão"!

Aí ficaram com medo de viajar durante a guerra só aparecendo quando o conflito mundial terminou. Foi assim que, nos dois anos seguintes ao fim da guerra e da ditadura, apareceram os três, Cruzeiro, Atlético e América. Vieram aqui “tirando onda” pois a Constituinte daquele ano deixaria de considerar algumas regiões de Minas como pertencentes ao Nordeste.
A raposa, que já havia trocado o nome de Palestra Itália, pensava em gozar do cartaz do ameriquinha, mas se deu muito mal. Até que estrearia bem, em 21 de julho de 1946, ganhando do Guarany (que seria campeão naquele ano) por três a dois. Mas, logo a seguir, tomou uma goleada memorável do Vitória (2 X 5) e empatou com o tricolor baiano (2 X 2).
Os outros viriam no ano seguinte, disposto a vingar o Cruzeiro, um em novembro e o outro em dezembro. O Atlético sairia vitorioso na sua primeira excursão á Bahia. Ganharia o jogo de estreia por um a zero, placar que aumentaria três dias depois, com a revanche concedida ao inconformado tricolor, três a um. Mas o que o Bahia sofreria nas mãos do galo descontaria com juros e correção monetária do América, goleando-o impiedosamente por cinco a zero.
                                             Ninguém ganha do acarajé baiano!

Aí os representantes baianos propuseram uma trégua, que foi acertada entre Octávio Mangabeira e JK. E ela foi cumprida á risca pelos principais clubes mineiros.  Mas, os times pequenos de Minas não aceitaram. Em abril de 1950 apareceu tal de Metalusina (?) para “melar” as coisas. Nessa época eu só tinha dois anos e soube por ouvir falar.
Como eles não disseram que eram mineiros, ninguém soube de onde vinham, e acabaram participando de um torneio onde estavam também Galícia, Bahia e Grêmio Porto-alegrense. E não é que desclassificaram o tricolor na primeira rodada? Só não levaram o título para Minas em função de pegarem os gaúchos na final, perdendo de quatro a dois. 
Mas ainda bem o ano de 1946 não acabava e lá vieram os mineiros novamente, desta vez o Siderúrgica (?). Também não disse de que estado era. Foi por isso que empatou dois amistosos, com Bahia e Ypiranga em um gol. Mas se traiu num almoço no Hotel da Bahia. É que a delegação assustou todo mundo no hotel pedindo tutu de feijão, frango com quiabo e farofa de couve. E o pior foi na sobremesa onde exigiram goiabada e pão de queijo. Era muito desaforo achar que tem essas coisas na Bahia. Aí o tricolor pediu uma revanche e descontou o descumprimento da trégua nos pequenos de Minas, ganhando por cinco a um.
                                                 Diga aí, Caetano ou Milton Nascimento?

A Fonte Nova foi inaugurada um mês depois. Mas ela não passaria incólume aos mineiros. O primeiro torneio realizado no estádio com clubes de fora quem ganhou foi a Portuguesa de Desportos. Aí foi a própria FBDT que tomou a iniciativa de convidar equipes chinfrins pra garantir uma taça pros baianos. Os clubes locais foram os que estavam melhores, Bahia e Ypiranga (que iria ser campeão naquele ano), e os de fora, foram o Vitória (Espírito santo) e... o Vila Nova de Minas
Não podia ser melhor pros baianos. Certo? Errado, pois os dois clubes locais se deram muito mal. Na primeira rodada o tricolor perdeu de dois a zero dos mineiros, enquanto o mais querido apanhava de três a dois dos capixabas. Na segunda, o vexame continuou, com Bahia e Ypiranga perdendo novamente. Pra piorar as coisas foram os próprios mineiros que levaram a taça, dando volta olímpica e comemorando com “uai” e tudo que tinham direito!
São mesmo insolentes esses mineiros. Aí a federação resolveu não mais convidar os pequenos. Se for pra passar vexame era melhor jogar logo com os grandes. Foi assim que estes voltaram á fonte do futebol no ano seguinte. Desta vez os baianos se prepararam fazendo com que o cardápio do hotel onde ficou o Atlético no Pelourinho só tivesse comida baiana. Aí os mineiros comeram moqueca de camarão, sarapatel, caruru, vatapá e efó. Não podia ser diferente, naquela noite de seis de junho de 1953, deu Bahia por dois a um.
                                Um mineiro azarando o Elevador Lacerda que eles não tem!

Os mineiros pediram logo revanche, que ia sendo adiada pelos baianos. Até que, dois anos depois, o governo de Minas ameaçou romper relações com a Bahia. O próprio Antônio Balbino teve que colocar “panos quentes” na situação, garantindo o jogo, que ocorreu dois anos depois. Desta vez os mineiros do Atlético trouxeram as sua próprias cozinheiras. Saiu de tudo, feijão tropeiro, frango ao molho pardo, refogado de quiabo com milho e ainda cafezinho com biscoito.
O resultado não tinha como deixar de se traduzir no campo. Primeiro veio o Bahia, que saiu derrotado por um a zero. Depois foi a vez do Vitória (e olhem que na própria data magna do estado, o dois de julho) cair por dois a um. Era muita humilhação pros baianos aguentarem. Uma reunião de clubes baianos decidiu que o desaforo não ia ficar assim. Dizem que foi por isso que Balbino não conseguiu fazer seu sucessor tendo que aguentar seu desafeto Juracy Magalhães á frente dos destinos da Bahia.
A FBDT passou a colocar obrigatoriamente na escala da Fonte Nova os jogos contra mineiros enquanto o setor de turismo bania dos hotéis seus pratos preferidos. Dois anos depois oi eles de novo em julho!  Desta vez os baianos fizeram a maior falseta, retiraram do mercado todos os ingredientes pra preparar os saborosos quitutes mineiros. A cozinheira do Atlético então ficou “a ver navios“. Os mineiros empataram ás duras penas com o rubro negro baiano (2 X 2) mas acabaram por não resistir ao tricolor (0 X 2).
                                                             Raul Seixas ou o Skank?

No ano seguinte foi a vez da raposa mineira que, desta vez, além da cozinheira, trouxe caixas e mais caixas de queixo, quiabo e couve. Não faltou nem torresmo. Chegou antes da Copa do Mundo daquele ano e foi logo empatando com o Vitória (2 X 2) que havia recentemente abiscoitado o certame baiano. Três dias depois vencia os diabos rubros por quatro a dois. Os mineiros estavam tão seguros de si que concederam revanche ao Vitória e ganharam novamente, desta vez por dois a um. Foi aí que foram buscar o Bahia para por fim á sanha desse mineiros.
Era o jogo do ano, a salvação da Bahia que havia sido humilhada nos seu legado de glórias. Era “matar ou morrer”. Teve torcedor que ameaçou se jogar do Elevador Lacerda se esta história continuasse. Mas, não se preocupem, para o bem da Bahia houve um belo horizonte para os baianos que ganharam de dois a um. Mas dizem que isso foi culpa de uma sobremesa que tem lá em Minas, o doce de abóbora com coco. É que coco é coisa da Bahia.
A amizade entre baianos e mineiros ia mal. Mas o pior é que os mineiros voltaram de novo no ano seguinte, quando a raposa passou dez dias no estado. Nesse tempo deu pros baianos organizarem várias sabotagens. O rádio do hotel só tocava o samba baiano, e quem falava “uai” não comia.
                                              Dique do Tororó ou Lagoa da Pampulha?

Mas isso pareceu não adiantar pois o Cruzeiro derrotou o Vitória na estreia por dois a um. No entanto, cinco dias depois, caía perante o Bahia pelo escore mínimo. A situação preocupou a delegação de Minas, que, logo depois, empatava duas partidas, na Fonte Nova contra o Ypiranga, e em Feira de Santana contra o Fluminense local. Foi aí que pediu uma revanche de despedida contra o tricolor. O jogo foi muito duro, e tudo levava a crer que seria mais um empate, mas o ataque tricolor conseguiria ultrapassar a retranca mineira vencendo novamente pelo mesmo escore.
Agora a raiva era dos mineiros que mandaram o Atlético quatro dias depois para a Bahia. O galo chegou com a missão de vingar as mais caras tradições mineiras. Nessa época passou a ser hábito trazer cozinheiros e ingredientes. Trouxe até agua mineral de Minas, um desaforo para os baianos que tem a fonte de Itaparica.
Na oportunidade, o tricolor não resistiria ao espírito de vingança mineiro, caindo por dois a um na Fonte Nova. A missão mineira havia sido coroada de êxito. O estado estava vingado. Mas aí o rubro negro baiano pediu uma partida dois dias depois. Não havia problemas, inclusive pois o Vitória não era mais aquele de dois anos atrás e não conseguia conquistar o título baiano. Mas havia esquecido da velha disputa, e o Atlético teve que amargar a devolução do escore pelo Vitória.
                                                  Pôxa, perdemos feio em presidentes!

Aí foi a vez de o Atlético pedir revanche. Ficaram cinco dias na discussão sobre quem iria jogar com o galo. Nesse interim surgiu uma polêmica no hotel onde estava hospedada a delegação. Que licor serviriam? E não é que os mal intencionados funcionários, ao invés do pequi ou da jabuticaba acabaram servindo licor de jenipapo? Foi uma zoeira nos mineiros. 
E pior quando aproveitaram a confusão pra colocar pimenta nos pratos. O resultado se viu na hora do jogo. O tricolor que havia perdido pouco antes enfiou três a zero nos mineiros. O episódio virou problema nacional. É que o presidente daquela época era o mineiro JK que acabou proibindo jogos entre baianos e mineiros.
O tempo passou, mas não pra Minas que continuava “se achando”. Imaginem que, inconformados com a saída de JK da presidência, as tropas de Olympio Mourão Filho saíram de Minas pra derrubar Jango! Assim não dava pra ter intercâmbio esportivo entre baianos e mineiros. E realmente passou mais de uma década sem se verem nos gramados do estado.
                                             Isso só acontece nas barreiras da Bahia!

A situação só mudou quando foi criado o torneio “Robertão”, em setembro de 1968, quando o Bahia apanhou da raposa e do galo no Mineirão por um a zero. Isso fez com que os baianos pedissem pra mudar o local dos jogos e, no dia 15 de outubro de 1969, dez anos após seu último jogo, os mineiros voltariam á Bahia com o Cruzeiro perdendo pro tricolor por dois a um.
Mas, tinha problema não. Quinze dias depois o Atlético descontaria ganhando de três a um no Mineirão. Não importava se fosse em torneio ou amistoso, continuava a disputa entre baianos e mineiros. Pra piorar, um ano depois, a raposa ganharia do esquadrão de aço na Fonte Nova, por um a zero.
Mas foi o último ano em que se disputava esse tal “Robertão”. Viria agora o campeonato brasileiro, mas os mineiros continuariam levando vantagem em plena Fonte Nova. O galo ganhou do Bahia e perdeu do Vitória pelo mesmo placar, um a zero. Mas a raposa promoveu verdadeiro “arrasa quarteirão” ganhando do Galícia (3 X 1), e do Bahia por duas vezes (1 X 0 e 2 X 1).
                                             Olhe essa moqueca de peixe da Bahia!

Mas o cúmulo mesmo foi ver o primeiro time campeão nacional ser um mineiro, o Atlético. Ah mas que deu uma inveja danada aos baianos deu, o que só descontariam 17 anos depois! Nesse ano criaram ainda tal “Torneio do Povo” embora o tricolor baiano só entrasse no ano seguinte. Jogou na fonte do futebol antes do carnaval de 1972 contra o Atlético, mas os jogadores nem queriam saber de trabalho e não saiu gol de jeito nenhum. O galo foi vice e o esquadrão ficou na lanterna.
Em 1973 o Bahia, porém, iria muito melhor. Mas, o dia 31 de janeiro desse ano jamais será esquecido pelos baianos. O Bahia tinha estreado auspiciosamente no torneio ganhando do Internacional pouco antes. E aí “se achou” indo pra cima do galo desde o início. Onde já se viu não respeitar mineiro? Não deu outra coisa, o esquadrão virou comida do galo em plena Fonte Nova caindo “de quatro” pro galo.
O Bahia chegaria a decidir o título contra o Curitiba quando um torcedor tirou a taça do clube ao apitar pouco antes do final do jogo. Na ocasião, os zagueiros do Bahia pararam pensando que era o juiz assinalara impedimento e sofreram o empate. Mas, tem gente que jura até hoje que foi um mineiro!

·          Agradeço aos sites Bola na área, Wikipédia, ao Almanaque do Futebol Brasileiro, e aos blogs allrecipes.com.

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