quarta-feira, 18 de maio de 2011

Os baianos contra o mundo

                      Roman Polanski teve que ver o mundo da janela do Hotel da Bahia!

1976 foi um dos anos mais movimentados que já vivi. Teve de tudo. Grandes terremotos, explosões musicais e cinematográficas, e a morte de personalidades importantes na política e na cultura. Os desastres ocorreram na China e na Itália. Os falecimentos atingiram o revolucionário Mao Tse Tung, os ex-presidentes João Goulart e JK, os cineastas Luchino Visconti e Fritz Lang, o músico Benjamin Britten, os atores Jean Gabin, Rosalind Russell e Sal Míneo.
O punk rock cresce nos países de língua inglesa com os Sex Pistols e o Ramones enquanto o Dear Purple encerra sua carreira. O ABBA lança seu maior álbum, Arrival, com musicas como Money, Money e os Bee gees estouram com You should be dancing.
São lançados filmes que marcaram época: O império dos sentidos, de Nagisa Oshima, Carrie, a estranha de Brian de Palma, Cria Cuervos, de Carlos Saura, Dona Flor e seus dois maridos, de Bruno Barreto (se lembram de José Wilker e Sonia Braga?), Casanova, de Fellini, O inquilino, de Roman Polanski, Novecentos, de Bernardo Bertolucci, e Rocky, com Silvester Stallone. Mas a Bahia seria testemunha do maior acontecimento daquele ano.
                         Fischer jogou nesse dia histórico!  

O certame baiano de 1976 começou antes do carnaval. O Vitória começou muito mal, só empatando com o Botafogo graças a um gol contra, enquanto o nosso arquirrival dava duas fantásticas goleadas no Redenção e Leônico onde faria quinze gols! Mas, antes da nossa maior festa, conseguiríamos engrenar passando pelo Humaitá (4 X 0), Galícia (2 X 0) e Itabuna (3 X 0) e empatando em Alagoinhas com o Atlético terminando como primeiro em seu grupo.  

Lembro-me de que passei o carnaval no recém-criado Baile dos Artistas que se realizou no Teatro Vila Velha e tentei fazer o mesmo com o Baile do Barão no sofisticado Baiano de Tênis, sem sucesso. O primeiro era frequentado por artistas, universitários e amigos do pessoal, enquanto o segundo era o “filé” onde se brigava por um convite.
Cheguei a ficar na porta do “Baiano” com amigos, dando o maior “mico”, pra ver se entrava algum conhecido pra nos botar pra dentro. Foi um tempo dos cordões Barroquinha Zero Hora, Filó e Sofia, dos blocos Amigos da Vovó, Pareô e Lá vem elas.

               A seleção da FIFA não deu nem "pra melar"!


A UFBA onde eu estudava música voltou às aulas em março já agitada pelos acontecimentos da conjuntura política. Na nossa vizinha Argentina Eva Perón era deposta por um golpe e assumiria, com o apoio da ditadura brasileira, uma junta militar dirigida pelo tristemente famoso general Jorge Videla. Recomeçavam as cassações de parlamentares do MDB no Rio Grande do Sul e Henry Kissinger no Brasil visitava o Brasil tentando capitalizar a aquiescência da agencia internacional de energia para com o programa nuclear brasileiro.

Em Salvador comparecemos ao julgamento de diversas pessoas pela Auditoria Militar, entre eles Carlos Marighela Filho e Sergio Santana. Dois estudantes da UFBA (Valdélio e Frederico Torres) são presos pelo DOPS de Minas Gerais, e o reitor Mascarenhas resolve suspende os alunos Elza Souza e Luís Tinoco. Mas o que teve maior repercussão nesse ano foi o início das polêmicas do prefeito biônico Jorge Hage com o jornal A Tarde, aparentemente por sua atitude de expulsar os moradores do Marotinho e derrubar seus barracos.

Nesse interim era realizada a fase final da primeira fase do primeiro turno. É que neste tempo o campeonato era uma confusão voltando-se somente para amealhar dinheiro, e a FBF fazia dois turnos com duas fases cada um e ainda decisões finais.

                      Mas que a morte dele foi estranha foi!


Mas só deu Vitória no quadrangular, ganhando do Atlético (3 X 1), Jequié (2 X 1) e Bahia (1 X 0), neste último com um golaço do argentino Fischer ficando com a primeira fase. Pouco depois começava a segunda fase com o Bahia voltando a golear e o Vitória perdendo para o Leônico (1 x 2). O BA-VI foi em onze de abril e deu empate, o ponta Jesum marcou para o tricolor e o centroavante Geraldão o gol rubro negro. Desta vez o meu time acabaria ficando em segundo na sua chave.

O quadrangular final da segunda fase acabou ocorrendo em meio ás eleições estudantis. Entre 14 e 18 de maio foi criado o DCE Livre da USP. As eleições garantem a vitória da chapa Refazendo com 9.000 votos dos 14.000 estudantes. E, as para o DCE da UFBA seriam realizadas pouco depois.

Foi a primeira vez que participei de eleições estudantis e “deu o maior pau” político. O pessoal do DCE alegava problemas legais pra fazer a eleição que só saiu na base da pressão. Acabaram se formando três chapas que refletiam as correntes então existentes na universidade: Viração, Atuação e Luta e Nova Ação, e eu ficaria com a última.   

                              O grande artilheiro Osny!


Mas assim como meu rubro negro era “tri-vice-campeão” também perdemos a eleição. Viração ficou em primeiro com mais de 60% dos votos, Atuação e Luta conseguiu uns 10% dos votos, e nossa chapa alcançou uns 30% ficando em segundo. Tal como o Vitória ficamos com o “vice”.

Mas esse ano no futebol parecia que seria diferente. O Vitória entraria arrasador no quadrangular final ganhando do Atlético por cinco a dois, e depois venceria Leônico e Bahia, ambos por um a zero, sendo a fase garantida por um gol de Afrânio.

Mas as maracutaias do futebol baiano não teriam fim. É que, apesar do meu time ter ganhado os dois turnos (ou “fases” como chamava a FBF) levou apenas um ponto por cada um para as decisões finais do certame, onde bastava perder uma partida pra ficar tudo igual.




                Foi o ano em que o São João ganhou do rock!
                 

O Bahia continuou vencendo no segundo turno enquanto o rubro negro fazia sempre estreias pífias, desta vez contra o Itabuna empatando sem gols. Depois voltaria a engrenar e ficaria novamente em primeiro no seu grupo. Mas desta vez a forma de disputa do quadrangular final havia mudado, ao invés de todos jogarem contra todos, haveria um “mata” com prorrogação e tudo. Foi aí que começou a debacle da equipe.

Mas antes de começarem as decisões do novo quadrangular haveria um jogo histórico na Fonte Nova. A partida havia sido acertada há certo tempo, mas muitos não acreditaram até que ela se tornasse realidade: Brasil X Seleção do Resto do Mundo.

Foi no dia 13 de junho de 1976 e aconteceu em nosso histórico estádio. Na oportunidade a seleção brasileira se fez representar por um combinado com jogadores do Vitória e do Fluminense do Rio de Janeiro. Naquele dia Armando Marques apitou o jogo que teve uma renda de 479.280 cruzeiros.

                O mundo tomou uma verdadeira baianada!


O Brasil entrou em campo com Andrade (Renato), Carlos Alberto (Uchoa), Joãozinho, Altivo e Rodrigues Neto; Carlos Alberto Pintinho (Léo) e Paulo Cesar; Osny, Rivelino, Fischer e Dirceu (Valdo). Já a Seleção do Resto do Mundo atuou com Buttice, Ropero, Paolino, Freitas e Cardoso; Brindisi e Kuntz; Amâncio, Doval, Degliani e Guernice (Cristiani).

Mas, como boa parte dos jogadores pertenciam ao nosso glorioso rubro negro, a partida mexeu com os brios baianos. Era a realização dos desejos mais caros daqueles que lutaram na história da Bahia contra portugueses, holandeses, espanhóis e ingleses. Todos nós que estávamos no estádio fomos possuídos por uma emoção diferente.

O mundo abriu o placar com o ponteiro espanhol Amâncio aos 27 minutos, mas, antes de encerrar o primeiro tempo, Osny entrou pelo meio da defesa do planeta empatando a partida. O gol foi mais comemorado que um verdadeiro campeonato baiano.



                       Nem precisou de trezentos baianos!


Mas esse dia estava marcado como o da verdadeira libertação da Bahia, pelo menos no futebol, já que na política ainda estamos esperando. Logo aos cinco minutos do segundo tempo o meia Rivelino faria das suas ao desferir um chute forte “virando” o placar a favor do selecionado brasileiro. E, dois minutos depois, Osny colocaria uma verdadeira pá de cal no selecionado mundial fazendo o terceiro gol.

Depois houve várias substituições, mas o Brasil administraria o escore até o final da partida. Foi o grande dia da Bahia na história. No início dos anos 60 o estado havia representado o país na Copa Ohiggins no Chile, mas havia sido derrotado.

Desta vez era muito diferente, pois em meados do segundo tempo o nosso selecionado era praticamente constituído de jogadores da Bahia pertencentes ao glorioso EC Vitória. A Bahia havia, enfim, conseguido derrotar o mundo, ensaiando até um “olé” no final.

                    Nem adiantou os Ramones meus amigos! 


A alegria dos rubro negros acabaria após esta partida histórica. Duas semanas depois perderia o primeiro quadrangular decisivo do segundo turno, e, em agosto a outra fase, ambas para o seu arquirrival. E faria a façanha de perder os dois jogos finalíssimos sagrando-se “tetra vice”.

Mas, nada poderia tirar a satisfação dos rubro negros daquele treze de junho. Nunca mais uma Seleção do resto do Mundo viria jogar por aqui. O Vitória é um dos poucos clubes brasileiros que representou a nossa seleção. E eu estava lá quando isso aconteceu!


                 Teve até carnaval fora de época pra comemorar!


O resto do ano até que não seria mal na música e na política. Na época tive a satisfação de tocar contrabaixo no espetáculo American Dreams do diretor José Possi Neto (na Escola de Teatro da UFBA) e conheci melhor a sua irmã Zizi Possi. E pouco adiantou a “Lei Falcão” do regime, que restringia o acesso televisão e ao rádio nas eleições. A ARENA diminuiu a sua vantagem para o MDB e esse dobrou as suas prefeituras nas grandes cidades e venceu em quase 80% das cidades com mais de cem mil habitantes.


·          Agradeço ao Almanaque do Futebol Brasileiro e aos sites Wikipédia e RSSSF Brasil. Sou grato ainda as imagens dos blogs bahianoticias.com,tocarrocknroll.blogspot.com,olharpanoramico.blogspot.com e liciafabio.uol.com.br.

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