sábado, 21 de maio de 2011

Los Hermanos na Bahia

                                       Tá me enganando, Los hermanos são cariocas!   
As relações entre o Brasil e a Argentina sempre foram “assimétricas”. Pelo menos esse é o jargão usado na diplomacia. Enquanto fomos colônia de Portugal eles foram da Espanha e o intercâmbio econômico e cultural variou conforme os interesses e as tradições das duas monarquias.
Ambos os países expulsaram os jesuítas, mas em momentos diferentes, que suscitaram a chamada guerra das Missões. A carne, os bancos ingleses e o comércio no Rio da Prata sempre foi motivo de conflito entre as elites dos dois países, que passaram a disputar até jogo de pauzinho.
Quando a Argentina se livrou da monarquia proclamando sua independência a burguesia brasileira preferiu ficar com aquela por mais de sessenta anos. Nesse período os dois países foram até a uma guerra que terminou empatada com os ingleses jogando dos dois lados. Os dois países se uniram provisoriamente para massacrar o Paraguai, mas brigaram em função de quem ficava com as terras deste país.

                                                 Pô, Sanfilippo acabou ficando na Bahia!

No fim do Século XIX o Brasil proclamou uma república de mentirinha e se aproximou dos Estados Unidos enquanto os Hermanos preferiram permanecer com o Reino Unido. A política dos dois países também foi diferente nas duas grandes guerras. Enquanto as elites argentinas preferiram ficar a maior parte do tempo “neutras” as brasileiras optaram por ganhar algumas migalhas apoiando os “aliados”.
E a coisa continuou por aí, embora também ocorresse muita imitação, algum tempo depois pra “não dar o braço a torcer”. Teve um Vargas populista aqui e um Perón lá, embora militares nacionalistas aqui fossem poucos. Mas, logo depois, tanto Jango como Evita foram depostos por golpes. Foi aí que fizeram a música Dont cry for me Argentina.
Mas chega de história política que o negócio desse blog é mesmo o futebol. É que no meio de toda esta confusão vários clubes dos Hermanos vieram jogar na Bahia. É bem verdade que não foram os primeiros. Por aqui passaram ingleses, norte-americanos, espanhóis, e até uruguaios antes de surgirem os argentinos.
                                           Aí só os Los Hermanos vieram na Fonte Nova!

A estreia foi em setembro de 1932, no ano em que havia tal revolução constitucionalista onde os paulistas lutaram quase sozinhos contra o resto do país. Mas, como sempre, houve baianos na parada querendo que Getúlio Vagas convocasse uma Constituinte. Mas esses vizinhos que apareceram eram ruins pra danar. Foram os marinheiros do navio Presidente Sarmiento que foram ao estádio da Graça somente para apanhar do recém-criado EC Bahia pelo extravagante escore de onze a um!
Foi então que os Hermanos repararam na Bahia. Conta-se que houve uma verdadeira revolta na marinha argentina e quiseram mesmo declarar personas non grata todos os miseráveis que se atreveram a enlamear o nome do país naquele dia fatídico. O presidente do país era o general Uriburu (isso é nome de gente?) e dizem que aproveitou pra iniciar a chamada década infame fazendo os vizinhos passarem pelo maior “perrengue”.
Desde essa época o Brasil tentou “segurar as pontas”. Getúlio chegou a visitar Buenos Ayres em 1935 para pedir desculpas do que aconteceu com os marinheiros argentinos na Bahia, mas não houve jeito. Só durante a Segunda Grande Guerra, enquanto os dois países mantinham uma posição de acender uma vela a Deus e a outra ao Diabo é que os Hermanos voltaram a nosso estado.
                                              O baterista Rodrigo Barba até virou Vitória!

E desta vez estenderam a excursão que fazia pelo país o Gimnásio y Esgrima da formosa cidade de La Plata, pertinho de Buenos Ayres. Mas, desta vez vieram preparados. Investigaram todos os jogadores retirando aqueles que tinham parentes marinheiros até a oitava geração, e, ao invés de vir de navio, embarcaram nas asas da Panair.
Los Hermanos estrearam em dezenove de janeiro desforrando-se da derrota de nove anos atrás goleando o EC Bahia por quatro a um. Pegou muito mal para os baianos cuja torcida tricolor não pode, mas nem sair à rua de tanta gozação. Imaginem perder para quem tinham ganhado de onze pouco antes. O esquadrão era agora de lata.
Quatro dias depois foi a vez de o EC Vitória jogar contra os Hermanos. Jogaram até bem, conseguindo fazer dois gols na turma vizinha, mas... no final acabaram apanhando também, agora de três a dois. A honra dos baianos e brasileiros estava ferida. A esta altura o interventor de plantão no estado solicitou reforço ao próprio presidente Getúlio Vargas que, porém, não quis se meter, pois já tinha bastante problemas para se preocupar.
                                                      O River Plate viria em 1972!

A solução foi mandar o Galícia, conhecido como demolidor de campeões. Mas a escolha não foi apenas da equipe que nos próximos anos iria faturar um inédito tricampeonato, mas por ser o time da colônia espanhola. Assim, ao entrar em campo os azulinos no dia 26 de janeiro os argentinos se confundiram com o castelhano fluente dos jogadores locais.
Os granadeiros chegaram ao cúmulo de dizer que eram argentinos, e que falavam um pouco diferente, pois eram de Bariloche. E o bom é que enganaram mesmo os Hermanos convencendo-os a fazer um “jogo de comadre” e treinar para os próximos compromissos. Mas depois enfiaram dois gols nos argentinos que pelejaram, mas não conseguiram empatar. Foi assim que os argentinos perderam de novo na Bahia.
As relações entre os dois países melhoraram, mas logo estragariam de novo. É que quando Roosevelt começou a dar dinheiro a Vargas o Brasil passou “de mala e cuia” para o lado dos aliados na guerra deixando órfão de pai e mãe seu amigo Hitler. Nossos vizinhos ficaram muito isolados, pois o resto do continente se virou para o mesmo lado.
                                                   Os baianos arrancavam os cabelos!

Essa situação só mudou em 1944 quando o presidente Pedro Ramirez rompe relações com a Alemanha e o Japão e, no ano seguinte, quando já estava acabando a guerra, os Hermanos declaram guerra ao Eixo.
O ano de 1946 é o da eleição de Juan Domingo Perón e o continente vivia um novo clima de pós-guerra. Foi aí que os argentinos voltaram a aparecer na Bahia. O estado era dirigido agora por um governador eleito, Octávio Mangabeira, e começava a construir a Fonte Nova em um local que havia sido depósito de lixo.
Getúlio tentou enrolar mas não teve jeito!

O Rosário Central passou uma semana na Bahia. Só lamentou não poder ficar para o carnaval. Desta vez só aceitaram jogar com Galícia e Bahia. Chegaram a Salvador no dia seis de janeiro não adiantando desta vez todas as “tramoias” do Galícia. Os azulinos fizeram de tudo, levaram até um falso cônsul argentino na Graça pra jurar que eles também eram Hermanos, mas o time da terra onde Che Guevara nasceu não foi na conversa devolvendo o dois a um de cinco anos antes.
                                                              
Agora cabia o Bahia resgatar as honras da pátria baiana. Nesse dia choveu reforço apresentando-se com uma verdadeira seleção. A partida foi muito dura e os torcedores viram uma chuva de gols, sendo quatro dos tricolores, mas o Rosário fez cinco e despachou mais um baiano.
Acontecia no futebol o inverso do que sucedia no campo político. O Brasil chupava os créditos americanos e a Argentina ainda estava isolada, não só pela posição na guerra, mas também por causa de medidas nacionalistas do governo Perón. Os Hermanos apostaram nas suas próprias pernas e estabeleceram planos quinquenais depois copiados aqui por JK. E só no ano em que terminou o II Plano é que os vizinhos apareceram de novo na Bahia. Mas aí os militares já tinham dado um golpe em Perón, antecipando o que ia ocorrer no Brasil.
Foi em 1956, ano em que os Hermanos aderiram ao acordo de Bretton Woods e acessaram o FMI, que o Independiente veio jogar na Fonte Nova. A nossa Fonte Nova não estava nem aí para essas intrigas de política externa e se engalanou toda para receber os vizinhos. Soube-se depois que foi muito criticada por isso.  

                                Tinha torcedor que "sartava fora" quando via os hermanos!

O jogo foi sensacional e ajudou a preparar a seleção baiana que então treinava para a antepenúltima edição do campeonato brasileiro de seleções. Argentinos e baianos disputaram palmo a palmo o gramado, e, ao final, voltaram a vencer os Hermanos depois de quinze anos, pelo mesmo escore que havia vencido o Galícia, dois a um.
Foi um fuzuê na Argentina em função disso. Imaginem que chegou mesmo a rachar o forte partido da UCR, que se dividiu em duas correntes, a do povo, chefiada por Ricardo Balbín, que nunca mais queria voltar a jogar na Bahia e a intransigente, dirigida por Arturo Fondizi, que queria revanche.
A vida iria dar razão a segunda, que inclusive foi eleita em 1958, e, enquanto estava neste “rame rame” o Rosário Central voltou a jogar na Bahia. Chegou aqui mais uma vez no início do ano. É que se enganou com a data do carnaval, mas mesmo assim a delegação passou uma semana visitando o Pelourinho.
                                    Os jogos pareciam uma batalha na Praça Castro Alves!

A nova estreia foi em 27 de janeiro, e mais uma vez contra o EC Bahia. O jogo foi desses de vida ou morte, com cada um dos clubes jogando pelo orgulho nacional. Estávamos, inclusive, na véspera da Copa do Mundo, e todo mundo queria mostrar serviço pra seleção. O resultado é que a partida não saiu do zero.
Mas os baianos aprenderam com o Galícia. Durante a semana que antecedeu a revanche levaram os Hermanos pra tudo quanto é lugar. Foram pros bares da Orla Marítima dizendo que era Puerto Madero e os conduziram pra ver o Elevador Lacerda dizendo que era o nosso Obelisco. Chegaram a fazer a sacanagem de pintar de rosa o Palácio da Aclamação pra que os vizinhos pensassem que era a Casa Rosada.
Mas como os Hermanos são ingênuos e boa gente. Não é que caíram na conversa? Quando chegou no dia três de fevereiro entraram pra jogar num clima totalmente diferente. Meu pai que foi ao jogo me disse que pareceu até jogo-treino, e o Bahia “papou” por três a zero. Os vizinhos foram embora mais uma vez enganados. Voltariam em 1960 com o San Lorenzo pra eliminar o bahia da Libertadores e, doze anos depois, o River Plate viria disputar o torneio em homenagem ao sesquicentenário da dita independência. 
                                                               Mas que bloco é esse?
Depois eles rareariam na Bahia. Passaram a aparecer no carnaval, pois não são de ferro!

·          Agradeço a Alessandro Warley Candeas, ao Almanaque do Futebol Brasileiro, e aos blogs rocknbeats.com.br,bandasrock.com e tipos.com.br.

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