sexta-feira, 20 de maio de 2011

Os últimos samurais

                                     

Os samurais eram nobres guerreiros que viveram no Japão durante mil anos, desaparecendo por ocasião da modernização capitalista do país na chamada Restauração Meiji em meados do Século XIX. No início trabalharam como servidores civis do império e disciplinadores dos camponeses, atuando até como coletores de impostos. Por volta do Século X adquiriam novas funções, inclusive a militar, adestrando-se nas artes marciais e adquirindo reputação que os levou a ser contratados pelos senhores feudais e chegaram a se constituir numa casta e o samurai passou a ser um título passado de pai pra filho.
Vestiam uma armadora e carregavam um par de espadas sendo exímios no arco e flecha, foice e bastão. Tinham um código de honra não escrito, o bushidô e não podiam demonstrar medo ou covardia em qualquer situação. Deviam também vingar aqueles que perseguiam ou assassinavam membros de seu clã.  Eram orgulhosos e não admitiam de forma nenhuma a desonra preferindo tirar a própria vida a morrer sem honra.  A morte era um modo de perpetuar a sua existência.
Nestas ocasiões praticavam o haraquiri ou seppuku que consistia em sentar-se no chão e fincar uma pequena espada do lado esquerdo do abdômen cortando a região central do corpo terminando por puxar a lâmina para cima, numa cerimônia que causava uma morte dolorosa que poderia durar várias horas. Para evitar que o samurai fraquejasse durante esta última tarefa chamavam um assistente, geralmente uma pessoa da família, que lhe cortaria a cabeça perante o menor sinal de hesitação.

                                            Samurai baiano que se preza dá tapa mesmo!

As enciclopédias que tratam dos samurais, porém, não sabem que o samurai também existiu no Brasil. Tanto que até se comemora em São Paulo o dia do samurai. E o que muita gente não sabe, mas desconfia, é que o belo filme O último samurai, de Edward Zwick, interpretado pelos atores Tom Cruise e Ken Watanabe, é na verdade uma homenagem aos samurais baianos Galícia e Ypiranga.
O futebol baiano é um dos mais antigos do país do futebol. Foi na Salvador de 1901 que foi jogado o primeiro amistoso internacional do país entre Vitória e um combinado de marinheiros de navios ingleses estacionados na baía de todos os santos numa cidade que produziu o primeiro clube com maioria de sócios brasileiros, o EC Vitória.
O campeonato baiano começou desde 1905 e teve pelo menos três grandes períodos, aquele até 1921, onde era jogado nos campos da Pólvora e do Rio Vermelho; entre 1922 e 1950, quando as partidas eram realizadas no antigo Estádio da Graça de arquibancadas de madeira; e o da nossa histórica Fonte Nova, a partir de 1951.
                                   Vejam o Galícia como era altaneiro lá no Parque Santiago!

Em cada uma dessas épocas lutaram destemidamente os nossos samurais enfrentando todas as adversidades. Foi na primeira época que jogaram o Rio Vermelho Team, o Clube de Natação e Regatas São Salvador e o Sport Club Santos Dumont, este último até antes do inventor da aviação ser famoso. Todos, entretanto, se suicidariam por não aguentar tantas maracutaias da Liga Bahiana de Desportos Terrestres.
Mas outros samurais vieram substituí-los aguentando os difíceis anos de guerra. O glorioso República resistiu até 1917, o CR Itapagipe, Santa Cruz FC e Internacional até 1920, o Sport Club Sul América até 1921, e até o São Bento, mesmo com o apoio estranho da Igreja Católica, existiu em nosso vale de lágrimas até 1921.
O Crack da Bolsa de Nova Iorque faz um grande estrago na economia mundial. O cenário dificultou a manutenção das políticas em benefício dos cafeicultores, cujos representantes políticos governavam o Brasil com aliança com os pecuaristas mineiros. O processo político brasileiro vai culminar na Revolução de 1930, quando, dissidentes do regime aliados a civis e oficiais modernistas derrotados nas eleições fraudadas, põem abaixo o governo de Washington Luís.
                                           A turma do Vitória não quis nem ver o haraquiri!

A modernização capitalista encetada pela revolução de 1930 foi um verdadeiro massacre obrigando ao suicídio em massa dos samurais baianos. Foi assim que se despediram da vida o Royal (1931), Antárctica (1932),o Sport Club Brasil (1936), o Fluminense Football Club (1937) e o Yankees FC (1938), a situação foi tão braba que nem o Democrata FC sobreviveu, sendo enterrada a democracia pela chamada revolução em 1932.
Só restaram poucos samurais que resistiram heroicamente, com suas espadas e bastões a introdução do carro, nos anos 40, aos condomínios na Pituba e a chegada da PETROBRAS, nos anos 50. Iniciava-se no Brasil um ciclo de lideranças populistas para as quais os samurais passaram a trabalhar. Mas novamente se deram mal com o golpe de 64 aposentando provisoriamente suas espadas e foices. Perderam até o FGTS.
Quando veio a industrialização dos anos 60 e 70 o país consolidou uma indústria cultural quando as emissoras de televisão alcançaram o monopólio nacional e a Fonte Nova se ampliou limitando os espaços dos clubes tradicionais. O foco agora eram as grandes torcidas e houve a tendência a reduzir a representação de Salvador á dupla BA-VI.
                                             Pôxa, que ataque do Ypiranga em Cajazeiras!

A situação dos samurais passou a ser muito grave e eles passaram a frequentar as ruas e a Fonte Nova com suas armaduras que antes tinham abandonado. Ficaram desempregados e os do Botafogo, Galícia e Ypiranga a toda hora eram assaltados. Chegou aos jornais o caso do samurai do São Cristóvão ter sua espada roubada no terminal da Barroquinha em pleno dia. No período os clubes de Salvador iniciam uma debacle que se aprofunda com a reestruturação econômica que começa a ocorrer ao final da ditadura.
Assim foram caindo um a um. O Guarany já havia praticado haraquiri em 1966, o São Cristóvão e o Monte Líbano logo depois. Posteriormente foi a vez do Palestra. Nos anos 80 morre misteriosamente o samurai Redenção em 1985, e o ABB no ano seguinte. Quanto ao Botafogo e Leônico, resistem desesperadamente até 1989 e 1992.  
Não havia lugar para os samurais esportivos num país que a cada dia se submetia ao American way off life e numa Salvador onde a cada dia se agravavam os problemas urbanos. Os dois últimos resistentes, Galícia e Ypiranga, não podiam mais sair de carro de casa, tendo que ir treinar suas artes marciais de taxi.  
                                              Na época o suicídio saiu até no Fantástico!

Haviam acabado as fantasias no carnaval, de modo que, para brincar na festa, tinha que ficar nas arquibancadas da prefeitura ou trabalhar como cordeiro. Ninguém mais queria contratar samurais e, pior, a profissão nem havia sido reconhecida pelo nosso sério Congresso Nacional. Os samurais baianos tiveram de vender as suas espadas, os seus bastões e foices, empenhar as suas armaduras na Caixa Econômica Federal, mudar-se da Pituba para Sussuarana, e conseguiram resistir até o fim dos desgraçados anos 90.
Foi em 1999 que praticaram o suicídio nossos últimos samurais, e o filme O último samurai é uma representação do seu fim. Nele, o Ypiranga é representado pelo capitão Algreen (Tom Cruise) e o Galícia, time de colônia estrangeira, por Katsumoto (Ken Watanabe).
Naquele ano a FBF agiu com malvadeza colocando os dois clubes para abrir o certame em 23 de janeiro, quando Katsumoto ganhou por um a zero. Cedo, porém, os dois começariam a ser derrotados, terminando em penúltimo lugar em seus grupos. No segundo turno começaram empatando mas desceram a ladeira da Agua Brusca e foram parar no último lugar, sem ganhar qualquer partida.

                                 E esses técnicos que não querem morrer quando o time perde!

No dia 25 de abril de 1999 o samurai azulino faria a sua última partida e com o Vitória. A situação de Katsumoto, digo do Galícia, era desesperadora, e até seus rivais choravam. No intervalo da partida sem gols chegaram os familiares e o antigo demolidor de campeões deu a honra a um primo para ser o assistente. Só restariam 45 minutos do clube na Primeira Divisão.
E, logo que o juiz apitou o fim da partida, os torcedores rubro negros foram brindados com um espetáculo desolador, o suicídio dos jogadores do samurai. Do goleiro ao ponta esquerda não sobrou um para contar a história, eu só soube por que estava presente.
E, no dia 2 de maio deu-se a despedida do capitão Aldreen, o nosso Ypiranga. Vocês se lembram de que o filme fica em dúvida sobre o que aconteceu com ele mas o que me disseram é que morreu mesmo devido aos ferimentos e não aquela “papagaiada” de voltar para ficar com a mulher do samurai que havia matado. Isso é coisa de americano!
                Teve quem achasse a espada dramático e preferisse se jogar no Dique do Tororó!

A morte do mais querido foi ainda mais dramática, e se deu num jogo contra o Bahia. Desta vez teve tudo o que tinha direito. Toda a televisão estava presente e até o Google. Negociaram inclusive com a FBF para a transmissão se dar depois do horário da novela, assim se o samurai teria que dormir tarde. A turma do deixa disso nem teve vez pois os torcedores tricolores queriam ver sangue. Tanto assim que aquele campeonato nem terminou, e foi, mais tarde, dividido entra a dupla BA-VI.
O samurai Ypiranga fez o que pode, lutando para não ser derrotado. A partida esteve empatada por duas vezes até quando o terceiro gol do Bahia selaria as esperanças dos nobres heróis. Nada mais restava a fazer do que chamar a família pra presenciar o seu fim. Mas antes houve a necessidade de se resolver alguns problemas.
Primeiro foi onde achar uma espada pois, como informei, os samurais haviam vendido tudo. A solução, no entanto, foi rapidamente encontrada porque os vendedores de coco do estádio entregaram os seus facões para a cerimonia. Outro problema era quem executaria o ato solene. É que o jornal A Tarde havia reclamado no suicídio dos jogadores do Galícia que os dirigentes também não deviam ser poupadas. O que vimos no haraquiri do Ypiranga honraria qualquer família de samurais do Japão.

                            Que vendedores de coco sacanas esses que emprestaram o facão!

Desceram os vinte e sete torcedores presentes, os 14 dirigentes, os jogadores, os reservas, o médico e o massagista para a autoimolação no gramado.   O técnico, Wanderléia Luxemburga quis regatear dizendo que nem era baiano, mas, um assistente cortou-lhe a cabeça com uma facãozada só que caiu como um coco.
Não dava mesmo pra desistir nem se quisesse. É que ajoelhou tem que rezar, e quem entrou naquela hora no campo teve que sentar pra “passar o facão”. Foi triste mesmo, mas confesso que assisti pelo rádio pois naquele ano só estava indo ao Barradão. Passaram o vídeo uma semana na televisão. Aliás, só assim que a Bahia saiu no Jornal Nacional.
Mas, lembram-se que o título do samurai passa de pai pra filho? Quem pensa que a história terminou aí se engana. Os filhos dos samurais não morreram e vem crescendo na Segunda Divisão do campeonato baiano. Quem sabe se eles voltam de novo e vamos ter um filme sobre os novos samurais?

·          Agradeço aos sites RSSSF Brasil e Wikipédia, e aos blogs crazyandfunnydays.blogspot.com e tvtelinha.com.

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