segunda-feira, 23 de maio de 2011

A última estação

       Os nordestinos na guerra ficavam felizes com as noticias da excursão do São Cristóvão!

Em 1944 eu nem era nascido e a guerra e a arte estavam na crista da onda. Até o Brasil havia se metido, criando companhias de cinema semelhantes às de Hollywood e mandando algumas centenas de soldados para lutar na Europa.
No penúltimo ano da Segunda Grande Guerra houve muitos acontecimentos e perdas artísticas. No cinema seriam lançados Buffalo Bill, com Joel McCrea e Maureen O Hara, Laura, de Otto Preminger, Maria Candelária, com Dolores del Rio e Pedro Armendáriz e Passagem para Marselha com Humprey Bopgart e Michele Morgan. Perderíamos o escritor Antoine de Saint Exupéry, e os pintores Eliseu Visconti, Kandinsky e Mondrian.
E foi justamente nessa época que o mundo soube que o São Cristóvão resolveu excursionar pelo Norte e Nordeste. O clube, que tem como mascote um carneiro, já não era novidade na região onde já tinha estado quarta vezes desde o início de 1927, logo após conquistar o título carioca. As outras foram, respectivamente, em agosto de 1933 e em maio de 1935, no intervalo do seu vice campeonato carioca.

A diferença desta vez é que ocorreria em plena guerra quando o intercâmbio estava momentaneamente interrompido. O time havia sido campeão do Torneio Municipal do Rio de Janeiro no ano anterior e aproveitou as férias escolares de 1944 para a longa excursão pelo Brasil que coincidiria com eventos da guerra.
O negócio foi tão inusitado que as noticias de suas partidas eram servidas junto com o café dos pracinhas na Europa.  A estreia do São Cristóvão seria na véspera do início da batalha de Monte Cassino na Itália. E enquanto os brasileiros morriam por lá o São Cristóvão empatava em Recife com o Santa Cruz pelo exótico placar de quatro gols. Na ocasião, a falta de novas partidas em Pernambuco fez com que se deslocasse para o Ceará.
Os cearenses que estavam na Itália souberam no outro dia que o Ferroviário tinha conseguido um honroso empate em um gol contra a equipe de Figueira de Melo. Dois dias depois, porém, o time padroeiro dos motoristas seria motivo de riso nas trincheiras em função da derrota contra o exótico Maguary que na verdade trabalhava na fábrica de sucos que fornecia os refrescos que os soldados tomavam. Mas foi ele mesmo que espremeu o santo até não mais poder mais extraindo dali uma laranjada pelo escore mínimo.
                               Mas esse pessoal é mesmo otário carregando essas coisas!

A derrota fez o pessoal desacreditar do São Cristóvão que teve que parar um pouco na caça de novas partidas. Mas como o time era guerreiro esperaria o início da ofensiva das tropas soviéticas contra os alemães em Leningrado e Novgorod para retomar a excursão, agora esmagando o Ceará Sporting por cinco a um.  Dizem que o resultado ajudou a guerra pois, de tanta gozação com os cearenses, a ofensiva soviética só se interromperia com a derrota de Hitler em Berlim.
O time do santo padroeiro dos motoristas iria agora a terras paraenses onde estrearia batendo om Tuna Luso pelo escore mínimo.  O resultado não passou despercebido para os recrutas. É tanto que no dia seguinte se sentiram estimulados a começar o assalto aliada em Anzio na Itália.
O São Cristóvão ficou sabendo no Norte que estava ajudando o esforço de guerra e continuou bem, empatando com o Paissandu em dois gols, e, quatro dias depois, vencendo o Transviário por quatro a dois. Mas, ainda bem que as tropas norte-americanas já haviam invadido Majuro nas ilhas Marshall quando o carneiro teve a sua segunda derrota na excursão, desta vez para o Clube do Remo, e novamente por um a zero.
                                                   O trem do São Cristovão parou aqui!

A guerra continuou no mês do carnaval e o São Cristóvão ainda estava no Norte, onde no dia três concederia revanche ao Tuna Luso vencendo novamente, agora por dois a um, alegrando os nossos soldados.  Mas o time faria um verdadeiro gol contra ao golear o Paissandu por quatro a um numa revanche estimulando a contra ofensiva italiana em Anzio.
O resultado chatearia muito o governo brasileiro. Getúlio Vargas chegou a mandar pessoalmente um telegrama para a delegação. Era preciso sintonizar a excursão com o esforço heroico dos aliados na guerra senão voltar imediatamente. Conta-se que foi por isso que acabou jogando no interior do Maranhão, e que sequer a história registra a primeira partida do cristovinho.
Mas soubemos da recuperação da equipe, quando os cariocas venceram o Amparo por três a zero, estimulando a revolta antijaponesa em Java que ocorreria no outro dia. O resultado espalhou-se por toda a frente aliada, possibilitando que os norte-americanos atacassem vitoriosamente a ilha de Truck nas Carolinas.
                              O negócio foi tão veio que Hitler deu banana pro São Cristóvão!

Vocês acham coincidência? E o que me dizem do retorno do São Cristóvão a Recife, desta vez ganhando do clube coral por dois a um. A vitória dos cariocas teve tanta repercussão que até os argentinos, que tinham entrado de última hora no conflito mundial, resolveram prender espiões alemães e japoneses.
E, no mesmo dia em que os cariocas visitam a Paraíba, vencendo o esquisito time do Dolasport por três a um, é que Stalin teve moral de intervir na Chechênia acusando a república de colaboração com os nazistas. Dois dias depois o exercito britânico obriga aos alemães a abandonar o desfiladeiro de Ngakyedyauk na Birmânia e, enquanto saboreiam a vitória, sabem que os cariocas chegaram Bahia, local da última parada numa das maiores excursões pelo Brasil em sua história.
Quando o São Cristóvão chegou à Bahia se jogava ainda no velho estádio da Graça, com suas arquibancadas de madeira, o segundo turno do campeonato baiano aonde o Galícia iria “tirar de letra” sagrando-se tricampeão. Os cariocas encontraram o certame interrompido.
                                        Não adianta chorar, ele só voltará se houver guerra!

O último jogo que tinha havido foi em 30 de janeiro quando o granadeiro ganhou do Vitória por três a dois. Depois foi a maior confusão pra combinar como ficaria a decisão final pois o Galícia ameaçava vencer o segundo turno, o que se confirmaria mais adiante.
Foi enquanto os dirigentes combinavam um supercampeonato entre os vencedores de turnos (Botafogo e Galícia) e o clube com maior número de pontos (Vitória) é que os cariocas chegam a Salvador. Como tinha vários baianos na guerra na Europa era no café do alojamento que se sabia de tudo.
A estreia foi contra o poderoso Galícia em 27 de fevereiro e acabou em empate. Três dias depois a equipe de Figueira de Melo enfrentaria outro finalista do campeonato, o rubro negro baiano, empatando mais uma vez e pelo mesmo escore. Dizem que foi por isso que os brasileiros ficaram num “rame rame” danado na Europa.
                               Que ingratidão, os aliados nem agradeceram ao São Cristóvao!

A coisa só melhorou mesmo foi na despedida do time de santo, tanto da Bahia como da excursão, onde em cinco de março, derrotam o tricolor por quatro a dois. Este vinha mal no certame onde só tinha conseguido obter oito pontos, fruto de apenas três vitórias, e não ofereceu resistência ao bom time do santo.
 Acabava uma excursão histórica que fez da Bahia a última estação da guerra na Europa.  A guerra acabaria no ano seguinte. O guerreiro time carioca nunca mais voltaria ao estádio da Graça. Só voltaria a Bahia oito anos depois, quando começaram os conflitos na Coreia, já no novo estádio da Fonte Nova. Seu cartaz não mais seria o mesmo, é tanto que fez apenas uma só partida, perdendo pro Vitória por três a um. No ano seguinte, enquanto o conflito “rolava” na Ásia, seria trazido pelo velho Galícia com quem jogou pela primeira vez na Bahia.
Não daria chance ao azulino vencendo por dois a um. Mas, contra o Bahia, pegaria alguém “do seu tope”, quando os tricolores devolveram o placar. Inconformada a equipe de Figueira de melo resolveu pedir revanche. Quem mandou? Foi uma tragédia a despedida do santo das terras baianas, que não esquece até hoje os cinco a zero.
                                                Com guerrinhas bêstas ele não vem!

O time do santo nunca mais voltaria a Salvador. Dizem á boca pequena seus dirigentes que essas guerras modernas não merecerem. Guerra mesmo seriam as de antigamente quando morriam de milhões pra lá. Vietnam, Iraque, Afeganistão e Cia não valia nem o esforço do São Cristóvão se deslocar.

·         Agradeço ao Almanaque do Futebol Brasileiro, aos sites RSSF Brasil e Wikipédia, e aos blogs elva7.blogspot.com e nandobhz.com.br.

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