segunda-feira, 30 de maio de 2011

O Guarani


Gente, quem tiver interesse em minhas “abalizadas” análises do desempenho dos baianos no Brasileirão pode acessar ao site Bahia Econômica todo início da semana. O endereço é www.bahiaeconomica.com.br. Mas falando em abalizada não tem como deixar de falar hoje sobre o casuísmo desta FIFA de araque que suspendeu dois dirigentes de federações por “roubarem pouco” deixando o público e notório corrupto Ricardo Teixeira sem punição. Mas vamos pros nossos artigos que é melhor.
Hoje voltaremos a literatura. Vocês sabem o preconceito de muitos intelectuais com o futebol. Eu já contei neste blog que, quando eu era militante clandestino, tinha que esconder o dia dos jogos pra poder comparecer á Fonte Nova. Mas muita “gente boa” já escreveu sobre o futebol, inclusive antes de ele aparecer.
Um deles foi José de Alencar que ao contrário do que muita gente acha não é o vice presidente que morreu recentemente. Tem gente que não sabe que O Guarani foi feito pra homenagear o clube que muitos anos depois iria ser criado na Bahia. E olha que partiu de um dos maiores escritores da língua portuguesa, que é reconhecido até pelos vestibulares da vida. Alencar era parecido com o Guarani, enquanto um queria abrasileirar a literatura brasileira o outro queria baianizar o nosso futebol que só ficava olhando pros clubes do Sul.

                Hoje os índios aculturados como Peri estão trabalhando por aí nas cidades!

Dizem até que a Associação Desportiva Guarani surgiu pra homenagear o romântico escritor que foi um dos expoentes do movimento indigenista na literatura. Imaginem que disputou pela primeira vez um campeonato baiano em 1915 no cinquentenário da publicação do romance Iracema que mostra um homem branco convivendo num meio indígena.
Os personagens de um e outro são, no entanto diferentes. Enquanto um fala de Diva, da Viuvinha, de Lucíola, o outro prefere Roliço, Lamarone, Mila, Bacamarte e Camerino. Outro dia eu li um ranking de escritores(tem de tudo nos dias de hoje!) que colocava o José de Alencar mais baixo do que o Guarani, que no futebol baiano ostenta a condição de décima equipe em número de participações na Primeira Divisão, mesmo tendo disputado há 45 anos o certame pela última vez. 
Assim como nosso “Zé” teve uma vida com altos e baixos o Guarani também teve. Na sua estreia no certame baiano ficou na lanterna, voltou a Primeira Divisão nos últimos anos da década de vinte e nos anos trinta. Enquanto isso nosso herói literário vinha de Fortaleza pro Rio de Janeiro, onde marcou passo e só publicaria um romance em 1856.
                                                           Ah, ainda tem desses!

E nesse terreno o   Guarani baiano é até melhor pois ganhou o título de campeão da Segunda Divisão em 1939 enquanto setenta anos antes Dom Pedro II faria uma falseta com o Zé vetando sua candidatura a senador. Pois é, essas coisas já haviam desde aquele tempo! O Guará se manteria 24 anos, 1942 a 1966,  entre os maiores clubes do futebol da boa terra, só estando ausente por duas vezes, 1954 e 1957. Três anos mais do que o Zé Alencar que morreria de tuberculose antes.
É certo que nem tudo foram flores durante a participação do Guarani pois foi lanterna do certame oito vezes, sendo inclusive “tri lanterna” (se é que isto existe!) quando o Galícia obteve o seu tricampeonato.

Mas, assim como a grande época de Alencar foi nos anos 70, quando até o compositor Carlos Gomes transformou seu romance O guarani em ópera, a do índio baiano foi setenta anos depois, durante a construção da Fonte Nova. Foi nesta fase que conquistou de forma espetacular o Campeonato Baiano de 1946 enfrentando em “melhor de quatro” a grande equipe do Ypiranga. E esta façanha foi pra comemorar o centenário de outro grande feito, a entrada de José Alencar na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro.

                                            Pô, é o verdadeiro espírito de Zé de Alencar!


Esse feito histórico foi conseguido por Menezes, Bolívar e Bacamarte; Manu, Berto e Sabino; Camerino, Mundinho, Elísio, Tuta e Aurélio. Na ocasião ficou com a vice (Elísio) e o quarto lugar(Camerino) na tabela de artilheiros. Ou seja tudo nome de índio, tais como os romances que marcaram a vida do Zé, Ubirajara, Iracema e O guarani.

O Guarani estaria ainda “na crista da onda” em 1947 e 1949 obtendo o terceiro lugar nos certames, embora, no ano seguinte, voltasse para a lanterna. A Era da Fonte Nova, porém, seria a tuberculose que mataria os índios baianos.  O futebol foi profissionalizado, passaram a ser cobradas altas taxas no estádio, e o leilão dos melhores jogadores trouxe dificuldades para o clube.  A infraestrutura necessária para a prática do esporte exigiu uma gestão cada vez mais complexa.

Nos anos 1870 nosso Zé ainda publicou vários romances, Guerra dos mascates, Til, A pata da gazela, O tronco do ipê, Senhora, O gaúcho, mas eram Sonhos de ouro. Na Bahia, noventa anos depois, chegaria a Era da Televisão e das grandes audiências. A introdução dos certames nacionais e o calendário que prioriza a participação dos principais clubes dos estados.  

                                        As Cecis baianas não queriam nada com o Guarani!


O golpe mortal no Guarany foi dado pela crise que assolou o futebol baiano. Não foi o clube que a provocara, nem sequer contribuíra pra ela, mas as restrições da federação e do CND e o boicote da imprensa ao Vitória atingiria decisivamente o Guarany.

O ano de 1966 foi o segundo da crise do futebol baiano. O Guarani não podia viajar pra Europa pra curar as suas feridas como fez Alencar, e por isso ainda durou mais de um ano. O início do certame baiano acentuou a crise, particularmente em função de Fluminense, Bahia, Galícia e Leônico se somarem ao boicote  com a desculpa de não jogarem no campo da Graça.

O regulamento aprovado preocupou o Guarany pois previa o descenso dos três últimos colocados na soma geral dos pontos. Estreou no dia nove de junho perdendo pro Botafogo por três a zero. Nove dias depois enfrentaria um clube do “seu tope”, o da empresa de transportes SMTC e candidato ao rebaixamento. Mas os “índios”  foram abatidos por quatro a um! A nova derrota inaugurou um clima de pessimismo no clube que o levou a perder seguidamente pro Ypíranga(0 X 3) e para o bicampeão Vitória(0 X 4).

                                                                    Foi pro ralo!


Como o Vitória já tinha faturado o turno a FBF resolve cancelar os jogos restantes, inclusive o jogo Guarany X Estrela de Março. Este último seria o lanterninha do certame e tomaria pelo menos duas goleadas astronômicas, 10 X 0 do Vitória e 9 X 0 do Fluminense de Feira de Santana.

Mas pra azar do Guarani a crise foi resolvida após quatro meses de interrupção do campeonato. O futebol baiano estava “pacificado” mas quem estava mal ficou pior. A estreia no segundo turno durante o Natal até que valeu, com uma vitória contra o Botafogo por três a um, mas logo enfrentariam o futuro campeão Leônico, perdendo por quatro a um. A goleada abalaria o time que perderia três vezes seguidas, para Galícia, Vitória e Ypiranga. No dia 29 de janeiro a tuberculose do Guarani piorou de vez em feira de Santana ao perder do Fluminense por seis a um.

A equipe de Peri ainda consegue ganhar do SMTC por quatro a dois, e até surpreender o mundo ao empatar heroicamente com o EC Bahia em um gol. Mas pra se manter na Primeira Divisão teria que derrotar os fracos Estrela de Março e São Cristóvão. Mas a doença tinha debilitado os índios.

                                                           Ói o pai da AD Guarani!


Veio então aquele mês fatídico de março de 1967. Conseguiram até passar pelo Estrela de Março conhecido por todo índio que se preza que se orienta pelo céu por um a zero. Mas a sina de Tupã estava marcada. E foi a sua inimiga igreja desde o tempo da Conquista portuguesa que colocou a pá de cal, o São Cristóvão vencendo de dois a um os índios.

O final do romance do futebol é que foi mais de acordo com a realidade. É que enquanto na vida os índios brasileiros sofreram um cruel extermínio no romance de Zé Peri foge com Ceci da guerra e da enchente, transformando uma árvore em  canoa. Uma metáfora da miscigenação entre índios e portugueses que teria dado início á população brasileira. Mas o Guarani não achou nem um barco na corrente da insensatez que é o futebol baiano. Foi pelo esgoto a sua primeira morte por tuberculose.

                                                  Outro dia eu vi Ceci morando no RU!

Ainda tentaria em vão voltar  á Primeira Divisão mas acabaria se licenciando. Em 1975, no centenário do aparecimento da tuberculose do Zé, voltaria o seu azar ficando em segundo lugar num certame em que só subiu o primeiro, o Redenção. A decepção levaria a nova licença que só terminaria na década de 80 quando tentou por seis vezes o Ascenso, e, por fim, em 1990, houve a sua segunda morte, passado a peixeira mesmo como convém a um nordestino.


·    Agradeço as informações dos sites Futebol mundial, Wikipédia, vidaslusofonas.pt e RSSSF Brasil. Sou grato também as imagens dos blogs catadedelino.blogspot.com e santacultura.blogspot.com.

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