quinta-feira, 2 de junho de 2011

O dia do futebol

                                                         Até J. Cristo jogava futebol!

O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols
como Pelé. É fazer um gol como Pelé.
                          Carlos Drummond de Andrade

Vocês sabiam que há um dia nacional do futebol no Brasil, o 19 de julho? Mais ainda, que o poeta Carlos Drummond de Andrade tem um livro dedicado somente ao futebol? Na verdade foi publicado após a sua morte, mas com as crônicas e artigos que escreveu para o futebol em jornais durante toda a sua vida.
Mas será que o dia do futebol honra o dia do futebol? Como sempre vamos averiguar isto na Bahia. Vocês sabem que os baianos “se acham” e assim demoraram pra homenagear o dia do futebol. No início foi por baixa estima mas depois foi por se consideram o próprio futebol.  

A primeira vez que isso aconteceu foi em 1914 na disputa do décimo campeonato baiano. Mas convenhamos, o jogo que foi marcado foi uma vergonha, Sul América e Brasileiro (já ouviram falar?) com o primeiro ganhando por dois a um. São Garrincha ficou tão irritado que os dois times desceram a ladeira no certame terminando um na vice-lanterna e o outro segurando a própria.
                                                 Que maldade Petkovic encerrar carreira!

Aí deixaram pra lá essas homenagens por muito tempo. Só quando houve o crack da Bolsa de Nova York é que voltaram á carga. Vocês sabem como é né, tinham que puxar o saco dos deuses em momento de crise. Aí marcaram um clássico, Ypiranga e Vitória, ganho pelo primeiro por dois a zero. Lá no céu ficaram contentes, e a prova foi o decano ficar em terceiro lugar e o mais querido em segundo chegando até a decidir com o Botafogo num supercampeonato.
A crise passou e ninguém mais se lembrou do dia do futebol. Até que em 1934, quando o Brasil estava conturbado pela convocação da Constituinte, cresciam a direita e a esquerda e o governador Juracy Magalhães mudou os critérios para eleger os “representantes do povo”, retornaram a comemoração. Pegaram um dos melhores times da época, o Energia Circular (que iria ser vice-campeão neste ano) e colocaram pra jogar com o clube mais antigo, o EC Vitória, vencendo o segundo por dois a um.
                                                            O deputado Romário!

Em 1937 estávamos prestes a entrar no tal Estado Novo (que de novo não tinha nada sendo uma reles ditadura) e o Madureira estava em Salvador. Mas a ameaça de chuva fez com que o jogo fosse antecipado para a véspera. Assim, jogaram no dia 18 e a vida se vingou dos baianos fazendo com que o time suburbano carioca ganhasse do Bahia por dois a um. E olhem que o visitante perdeu a maioria das partidas desta excursão.
                              Veja que seleção, a de 1958, e olhem que sem Pelé e Garrincha!

A federação não conseguiu remediar as coisas pois o mundo entrou em guerra e ficou difícil trazer visitantes. Mas, quando o Galícia emendava seu inédito tricampeonato, marcaram um grande jogo em 19 de julho de 1942, Vitória X Galícia. Era a glória para o futebol. O azulino vivia a sua melhor fase. Mas nesse dia Seri, Juvenal e seus comandados estiveram infernais vencendo a equipe da colônia espanhola de Novinha, Isaltino e Falabaixinho por cinco a dois.
Depois disso só em 1946, depois da Segunda Grande Guerra, é que marcariam um jogo pra celebrar o dia do futebol aproveitando a estreia do Cruzeiro (MG) na boa terra. Mas os mineiros tiveram que antecipar a viagem de modo que acabaram jogando no dia 17. O resultado foi outra vingança dos deuses do futebol com os baianos do Guarany, campeão daquele ano, perdendo pra raposa por três a dois.  Por coincidência, foi a única vitória dos mineiros em terras baianas aquele ano.
                                                           E por que não Obina?

O Vitória voltaria a comemorar o dia do futebol, exatamente no ano anterior em que entrou em funcionamento a Fonte Nova. Mas a partida marcada pela federação, tenha a santa paciência, foi contra o Guarany, que a esta altura já estava “matando cachorro á tapa”. O Vitória ganhou de dois a um e foi vice, quanto aos índios ficariam na lanterna.
                                                                 Ôpa, que é isso?

Sete anos depois os mineiros do galo fariam a mesma falseta da raposa perdendo a data numa mini - excursão á Bahia na Fonte Nova. Como o Vitória se esqueceu de cobrar os deuses do futebol resolveram punir os dois naquele 21 de julho de 1957 fazendo a partida empatar em dois gols. Mas o galo por isso também não arranjaria nada nesta temporada e o rubro negro perderia o clássico baiano para seu arquirrival.
Homenagem mesmo ao futebol só viria anos depois. Mas imaginem o ano em que a fizeram? Acertou quem disse 1964, em pleno golpe militar! Ah, aí os deuses do futebol não gostaram nada. Veio São Di Stefano, o frade Maradona, e até São Pelé, mas nada adiantou, pois o que queriam mesmo os puxa-sacos era ficar bem com os militares. O Bahia ganhou do Galícia por quatro a dois mas ficou em quinto lugar neste ano enquanto o azulino ficaria em sétimo.
                                                    Ah meu inesquecível Quarentinha!

Mas o tricolor achava que estava “mais por cima do que carne seca” e resolveu exculhambar de vez o tal dia do futebol. Imaginem que convidou o Periperi do subúrbio ferroviário de Salvador e convidou para “homenagear” o dia do futebol em 1965. Mas a Fonte Nova saiu de baixo. Ela não queria se meter na pendenga e ameaçou fechar os seus portões na data.
                                                        Quem não lembra de Julinho!

O Bahia teve que jogar na noite da véspera e, é claro, ganhou de quatro a um. Saiu até barato pro Bahia naquele dia mas o tricolor continuaria numa fase desgraçada pra ganhar títulos que lembra os tempos de hoje.
O dia do futebol ficava por baixo na Bahia. Pelo menos durante os tempos da ditadura. Imaginem que em 1979 chegaram a programar o “importante” jogo Leônico 2 X 0 Redenção em 19 de julho e a dar sumiço na própria estátua do rei Pelé que estava na Fonte Nova. Era demais e os deuses nem queriam mais saber da Bahia.
 Mas em 1981 o general Figueiredo resolveu aceitar a volta das eleições de governador quando a oposição pemedebista iria “rebentar a boca do balão”. A “abertura” foi seguida pela CBF que resolveu fazer uma boa homenagem aos deuses programando pela primeira vez uma rodada do campeonato em seu dia.
                                                  Três deuses, Pelé, Pepe e Coutinho!

É certo que havia jogos chinfrins como Itabuna X Redenção e outros menos votados, mas colocaram o próprio clássico BA-VI neste dia, a única vez na história do futebol baiano, e o tricolor se reconciliou com os deuses vencendo pelo escore mínimo voltando a levantar o campeonato deste ano.
A ditadura se foi e veio a chamada “nova república” a quem os dirigentes do futebol baiano correram logo a jurar fidelidade. Era o governo Waldir Pires e o pessoal da FBF passou a andar pelo Palácio da Aclamação dizendo que era oposicionista desde menino. Aí em 1987 marcaram nova homenagem aos deuses com outra rodada, onde na Fonte Nova pelejaram Bahia X Botafogo e Ypiranga X Itabuna.  
Nesse dia os deuses deram uma de demagogos. Imaginem que quase todos os jogos empataram, só o azulino conseguiu ganhar do Bahia de Feira. Mas os deuses são mesmo inocentes. Foram levados “na conversa” e ainda facilitaram as coisas pro tricolor ganhar o campeonato brasileiro do ano seguinte.

                                                        Quem diz quem é melhor!

Os dirigentes da federação mudaram outra vez de lado logo que ACM voltou ao governo. Largaram os deuses “na mão” e só se lembraram deles quando ACM começou a namorar com FHC. Como estavam ainda em dúvida se a relação ia prosperar resolveram apelar para os deuses de novo marcando mais uma comemoração em 1995. E não é que levaram de novo os deuses “no papo”? Eles compareceram em massa no jogo em que o Vitória ganhou da Catuense por três a zero e deram uma “forcinha” para o rubro negro iniciar o seu inédito tricampeonato.
Mas logo a seguir FHC se abraçaria com o carlismo e ACM indicaria ministros e viraria inclusive presidente do Senado. Era demais. Os deuses não quiseram saber mais de homenagens no futebol da Bahia. Nunca mais apareceram. A federação se vingou deixando a estátua de Pelé num jardim de Salvador e os deuses deixaram a Fonte Nova ir se desmilinguido até...morrer.


·          Agradeço ao Almanaque do Futebol Brasileiro, aos sites RSSSF Brasil e Brasil Escola e ao blog flickr.com. 

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