terça-feira, 26 de julho de 2011

Chumbo grosso!


                   
A Primeira Grande Guerra foi um conflito de vastas proporções que tomou conta da Europa entre 1914 e 1918 envolvendo países de praticamente todas as regiões do planeta em função dos interesses que estavam em jogo. Na verdade foi uma disputa colonial entre os países imperialistas e houve de tudo na ocasião, traições, pactos secretos, “neutralidade”, e os que, como os EUA, esperaram a Europa se destroçar pra se apossar dos mercados do continente. Essa brincadeira custou quase vinte milhões de mortos.
Até hoje discutem quem começou a guerra, sem lembrar que já existia há muito tempo um clima de disputa imperialista. Uns reputam ao famoso assassinato dos herdeiros do Império Austro-Húngaro, mas, dois meses depois, o Império Britânico invadiu o Togo (protetorado alemão) o que levou a esses a invadir a África do Sul que pertencia aos ingleses. Mas dai a Cesar o que é de Cesar!
                                                                   Poxa que caras!
 
O Brasil só entrou no processo em outubro de 1917 quando já se sabia quem ia vencer. Mas só fez enviar alguns aviadores, um corpo médico-militar e patrulhar a costa da África.  O que os almanaques não sabem, porém, é que os baianos viveram o dia a dia do conflito mundial e este impactou até em seu futebol.
Pra começar a conversa, em 1913, enquanto foram se construindo as justificativas da guerra os dirigentes esportivos da Bahia também armaram a sua guerrinha. A justificativa foi a antiga Liga Bahiana dos Desportos Terrestres que, com seus clubes elitistas, estava nos seus últimos dias. Boa parte do ano de 1913 foi gasta com brigas e discussões pra criar uma nova liga fazendo com que o campeonato daquele ano só começasse em setembro.
                                                O negócio era feio na Avenida Sete!

O documento das bases da nova Liga Brasileira de Sports Terrestres só tinha a assinatura dos clubes White, Sul América, Belo Horizonte e Fluminense. Quer dizer, parecia até uma liga mundial constituída de mineiros, americanos, sul-americanos e baianos. O presidente da liga, Antônio Veloso (que não era parente de Caetano Veloso), só foi eleito na véspera de começar o certame.
Enquanto as tensões rolavam soltas na Europa aqui na Bahia o White não se conformou com sua eleição desfiliando-se da liga que mal nascia. Sempre esses americanos... Logo depois o Belo Horizonte mudou de nome passando a adotar a denominação de Ideal, pois ficava chato os mineiros participarem do campeonato baiano.
                                                    Dia de jogo no Rio Vermelho!

Como o Internacional aceitou participar acabaram organizando o certame com quatro clubes quando se sagrou campeão o próprio autor da proposta da nova liga o Fluminense FC. Mas os problemas eram tantos que o Internacional retirou-se por não concordar com a derrota no seu jogo decisivo contra o Fluminense e o Ideal (lanterna do campeonato) também abandonou a liga em pleno Natal daquele ano.
O ano de 1914 parecia de paz na Bahia pois reorganizaram o Ypiranga que acabou levando o Internacional a voltar a liga e a filiação do SC Brasileiro. Imaginem que o campeonato começou em junho não tendo nem consideração com o inicio da guerra na Europa. Em pleno dia do assassinato dos herdeiros do trono Austro-húngaro o Internacional vencia tranquilamente o Brasileiro por um a zero no Campo da Pólvora. A primeira peleja oficial do auri negro termina num empate sem gols contra o campeão Fluminense. Mas desta vez, para sintonizar-se com o conflito mundial, quem levou o título foi o “Internacional” e invicto.
                                                      O leão entrava e saía das ligas!

Na ocasião o navio escola Benjamin Constant passou pela Bahia e sua estadia acabou em pizza com a realização de jogos nos campos da Pólvora e do Rio vermelho. Os dois realizados no centro da cidade foram contra o Ypiranga registrando-se a vitória do mais querido por quatro a um e o empate em um gol na revanche.
Já dissemos que com a criação da liga “brasileira” haviam se afastado os clubes elitistas que haviam começado o campeonato baiano em 1905. Mas, em 1914 o Bahia iria participar do clima de guerra. É que o Yankees (sempre eles se metendo em tudo!) resolveu arrendar o hipódromo do Rio Vermelho e criar uma nova liga. Foi a maior confusão, e veja os clubes que a fundaram, o Caixeral (isso é lá nome de clube de futebol?), o Néo-Grego (assim também é demais!), o São Bento, o Palmeiras, mas pelo menos se salvou a Associação Athlética.
                                                  Nem o Fantasma dava jeito na confusão!

Esses clubes passaram a jogar outro campeonato baiano, organizado pela Liga Sportiva da Bahia. Só mesmo na Bahia, não contentes com um e fraquíssimo campeonato, os baianos decidiram organizar outro. Uma era jogado no Campo da Pólvora e o outro no Rio Vermelho. Mas estão pensando que acabaram as confusões? Ledo engano! O próprio clube fundador mostrou que só queria fazer confusão retirando-se logo no segundo jogo da liga! Durma-se com um barulho desses!
A briga durou dois anos. E assim os baianos tiveram dois campeões nesses anos de guerra. Em 1914 foi a vez do Internacional e da Associação Athlética. E em 1915 levaram a taça Fluminense e Palmeiras, que deve ter sido um antepassado do atual clube de São Paulo que assim pode vangloriar-se de ter sido campeão baiano! Por sinal, no ano em que a Itália celebrou um pacto secreto para entrar na guerra em troca de territórios e expandir suas colônias.
                                                  Olhem o estádio como era "derrubado"!

Interesses á parte lá e cá. É que na Liga “Brasileira” o pau “comia solto”. Até que entraram novos clubes como o Guarany, o Botafogo e o República, mas durante o certame saíram o mesmo Guarany, o Brasileiro e o próprio Ypiranga! Tudo era motivo de racha, desde as arbitragens até as deliberações absurdas tomadas por uma liga onde ninguém se entendia.
Em 1916 porém houve uma trégua na guerra, mas não a da Europa e sim a da Bahia. A Liga Sportiva morreu de morte natural e a “Brasileira” ficou sozinha. Mas os clubes de uma não passaram para a outra, assim o certame foi organizado com apenas cinco clubes. Na véspera do início do certame a Intendência Municipal proibiu os jogos no Campo da Pólvora sob a justificativa de fazer ali um jardim.
Aí o certame passou pro Rio Vermelho e a frequência aos jogos foi “pra cucuia”. O bairro era longe, mal servido de transporte, e ainda se pagava pra assistir as partidas. O SC República (mostrando que esse regime não está com nada mesmo) deu o golpe em todo mundo açambarcando os jogadores do Ypiranga, um dos melhores times da época, e levando o título de forma invicta.
                                                    E o pior é que era Dalí e daqui!

1917 foi um ano muito atribulado no planeta. Revolução russa, guerras civis e momentos decisivos da Primeira Grande Guerra. Diversos navios brasileiros eram torpedeados e o Brasil entrou na guerra. Na Bahia o Ypiranga, que tinha sido terceizado no ano anterior, decide voltar á luta. Sem os jogadores do auri negro o campeão República mostrou logo fraqueza caindo na estreia para o Sul América (0 X 2) num ano em que seria o aurinegro que seria campeão invicto enquanto a revolução soviética estourava.
Foi neste ano que pela primeira vez se convocou uma seleção baiana pra jogar contra os sergipanos. A estreia em Aracaju porém, foi um desastre, com a derrota do nosso selecionado pelo escore mínimo. Aí o jeito foi marcar outra partida em Salvador. A recepção foi apoteótica, com discurso e corbeille de flores á delegação sergipana, mas nos jogos mesmos foi “pau puro” nos vizinhos. Foi um massacre digno dos campos da Europa, pois o Republica enfiou sete a zero e o selecionado baiano seis a um! Os sergipanos nunca se esqueceram destas derrotas e passaram, inclusive, a levar jogadores baianos para a sua terra enfraquecendo o nosso campeonato.
                                                    O mar não estava pra peixe!

1918 foi o fim da guerra...na Europa. Aqui continuaram as hostilidades na guerra sem fim do futebol baiano. O ex-campeão República nem se inscreveu pra disputar o certame. Na véspera do início do campeonato o Fluminense provocou a maior confusão ameaçando desfiliar-se e só há muito custo voltou atrás. A indisciplina campeava em campo com jogadores atuando descalços e a violência campeando.
Pra piorar a história as baixas renda não permitiam á liga melhorar as dependências do campo do Rio Vermelho. As arquibancadas estavam em ruínas, a garagem onde os jogadores mudavam de roupa ameaçava cair em suas cabeças, e até o arame (colocado pra cobrança dos ingressos) não mais existia.
                                                O futebol e o planeta estavam mal!

Quando o torneio ia já avançado, nova crise tomou conta da liga, com a anulação do jogo Ypiranga X Botafogo sob a polêmica de um gol marcado em impedimento. Pra culminar, em agosto, morre o idealizador da Liga “Brasileira” Artur Mendes. Foi nessas condições que o Ypiranga levaria de novo o título.
Mas o fim da guerra na Europa acabou por dar uma nova trégua ao futebol baiano. Foi feito um movimento pra recuperar o campo do Rio Vermelho e acabou se criando uma comissão de vários segmentos da sociedade que se reunia no clube Baiano de Tênis. Com pouco tempo adquiriu um terreno no aristocrático bairro da Graça onde colocou a pedra fundamental do primeiro estádio de futebol da Bahia.
                                                       Reunião da Liga "Brasileira"!

Aí todo mundo voltou. Os clubes que fundaram o campeonato nos primeiros anos, os do “Brasileiro”, os da Sportiva, outros até foram criados pra participar dos novos campeonatos. Até o Vitória voltou a disputar o certame de onde havia se retirado há vários anos! Foi com a criação do Estádio da Graça que os baianos viveriam em paz algum tempo, até começar outra guerra. No planeta houve apenas duas mas na Bahia já passam da décima nona!

·          Agradeço ao Almanaque Esportivo da Bahia (1944) e ao site Wikipédia.  

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