quinta-feira, 21 de julho de 2011

A falta que nos move ou um campeonato pra inglês ver!

   
     
                              
Muita gente diz que eu, em matéria de cinema, meu caso é com Hollywood. Mas isso é intriga da oposição, logo eu que trato tanto da Bahia, que, por um desses acidentes da vida, fica no Brasil. Só pra contrariar eu vou falar hoje do cinema “nacional”, que não vive só de pornocomédias.
A prova disso é o drama A falta que nos move de Christiane Jatahy. O filme é sobre atores querendo fazer um filme na véspera do Natal, quando certamente deveriam ter outras coisas pra fazer. Passam o tempo todo esperando uma pessoa que não sabem quem é e se vem. Enquanto isso Daniela Fortes, Cristina Amadeo, Marina Vianna, Pedro Brício e Kiko Mascarenhas ficam lembrando-se de sua vida como aqueles chatos filmes existenciais.
Mas o seu enredo não é nada original e é também bastante antigo. É que houve um tempo em que o que movia o futebol baiano era a falta. Imaginem que faltava tudo, jogadores qualificados e que não apelassem para a pancadaria, clubes que aceitassem o regulamento, juízes honestos, e, como não podia deixar de ser, dirigentes com vergonha na cara.
                                               Pô, não podia nem ter uma porradinha!

Pouco depois que o futebol baiano surgiu, no início do século passado, organizaram logo uma liga, a Liga Bahiana de Sports Terrestres. Mas na verdade o futebol era “pra inglês ver”. Se não fosse por misso porque teriam escolhido o Sr. F.G. May para presidi-la? Na vice ficou mesmo o fundador do EC Vitória Artêmio Valente. Mas, antes de começar o certame eis que surge uma grande briga no Vitória e que acaba com a saída deste fundador que arrasta um grupo de jogadores para criar o São Salvador que se tornaria a primeira grande rivalidade do futebol baiano.
Por sinal, a liga era tão engraçada que pra organizar o seu primeiro campeonato em 1905 teve que brigar com um circo, O Lusitano, que também queria se armar no Campo da Pólvora que, ao contrário de outros largos, ficava no centro da cidade, ali nas proximidades onde os brasileiros se concentraram para fustigar os holandeses que tomaram Salvador em 1624.
                                          Nerm podia levar cachorro no Campo da Pólvora!

A prefeitura, digo a intendência municipal, acabou dando uma solução salomônica. Botou o circo na cabeceira do campo deixando este livre para os jogos. E aí pessoal pode aprovar a tabela pra começar o certame. Mas logo depois outra briga perturbou o início do campeonato que ainda sequer havia nascido. É que clubes da liga resolveram assediar os jogadores do São Paulo Athlétic. Bem feito, quem mandou aceitar no campeonato baiano um time da colônia paulista? Só na Bahia mesmo, pois juro que em São Paulo jamais aconteceria?
Mas, voltando à vaca fria, o São Paulo resolve desistir do certame, e isso quando a tabela já estava aprovada e comunicada á Intendência. Pra não deixar brechas para o circo acabou-se por deixar o dito pelo não dito e manteve-se a reserva das datas para os jogos que não seriam realizados e começou-se o “campeonato” com apenas quatro clubes.

                                                       Beber cerveja estrangeira podia!

O primeiro jogo de um certame na Bahia foi a nove de abril de 1905, e se realizou entre Vitória X Internacional. Mas na realidade foi entre brasileiros e ingleses. Durma-se com um barulho desses. O campeonato era “baiano”, mas estava cheio de ingleses, paulistas, pernambucanos, sergipanos. Acho mesmo que os baianos eram minoria! E não era só isso.
O goleiro chamava-se “gol keeper”, o matador de “center foward”, os zagueiros de “backs”, os médios de “center halfs”, os juízes de “referee”, e assim por diante. Todo mundo enchendo a bola dos ingleses! Mas pelo menos o Vitória, que naquele tempo tinha o prenome de “Sport Club”, colocou alguns baianos, embora a turma da elite.
                                               Os caras iam ao campo de cartola e terno!

Imagine que jogador naquela época tinha nome e sobrenome. Ninguém era conhecido pelo apelido. Ao invés de Pelé, Garrincha, Bolacha, Beijoca, Manga, Sapatão, Piu-Piu e outros que tais, o rubro negro entrou em campo cheio de sobrenome das famílias ricas da Bahia, onde não faltavam vários parentes, formando com Luiz Tarquínio, Pedro Ferreira e Rodrigo Sampaio; Oscar Luz, Alberto Catarino e Arnaldo Moreira; Oscar Alves, Juvenal Tarquínio, Álvaro Tarquínio, Pedro Barbosa e, até um com nome de inglês, o W. Chest.
Do outro lado, nem é bom falar do Clube de Cricket Internacional. Ora se era de críquete que estava fazendo no certame de futebol? Além disto, de “Internacional” não tinha nada, pois eram todos ingleses, e imitavam o decano nos parentes, formando com G. Orr, CC Sharp, C. North, D. Mc Nair, AE Greig, R. Mc Nair, V. Vero, JC Covey, A. Hayne, F. Stewart e J. Mc Nair. A preocupação diplomática fez com que não desse outra coisa que a vitória dos estrangeiros por três a um, gols de Stewart(2) e Hayne contra o gol de honra de Juvenal Tarquínio.
                                                      Também não foi a tanto tempo!

Os outros dois clubes que disputaram o “campeonato” foram o São Salvador e o Baiano de Tênis. Assim, tínhamos um time inglês, dois que nasceram da mesma fonte (Vitória e São Salvador) e um tradicional e aristocrático clube de elite, o Baiano de Tênis. Esse outro também era problemático, pois era de tênis e estava disputando um “campeonato de futebol”?
Mas vamos deixar a coerência pra lá em matéria de futebol baiano. O que sei é que em uma semana os ingleses já estavam disparados, pois, além de vencer o leão, ganharam também do São salvador por dois a zero. Ainda no mês de abril disputou-se o jogo de aristocratas quando o rubro negro acabou levando vantagem sobre o Baiano e por quatro a zero.
                                     José de Alencar quando jogou como goleiro na Bahia!

O primeiro clássico só ocorreu em 21 de maio, quando o Vitória enfrentou o São Salvador precisando vencer pra alcançar o “Internacional” na liderança. Foi o recorde de público no Campo da Pólvora durante certo tempo. A imprensa da época calculou em dez mil os assistentes. O São Salvador abriu o placar, mas logo o rubro negro virou, mas Zuza Ferreira (que trouxe a bola para a Bahia) empataria antes do intervalo.
No segundo tempo o São salvador faria mais dois gols conseguindo vencer o jogo que acabou numa passeata ao centro da cidade com banda de musica, jogadores, juízes, assistentes, que regou o triunfo com champanhe e foi parar no Palácio da Aclamação. O Baiano imporia a única derrota do Internacional antes de terminar o primeiro turno.
O Vitória reagiu no novo turno ganhando do Baiano (3 X 0) e do São Salvador (1 X 0) empatando com o “Internacional” em pontos. A grande final seria mesmo entre baianos e ingleses três dias depois da data consagrada á chamada independência do Brasil. Neste dia novo grande público acorreu ao Campo da Pólvora e dizem que muito baiano torceu pros ingleses, especialmente o pessoal do São Salvador que viria a antecipar o que sentiriam os tricolores depois, trocando o nome da capital pelo o do próprio estado.
                                                       Lula ainda falava com FHC!

O jogo foi renhido alternando-se as chances de abrir o escore, e de predomínio das defesas contra os ataques. Mas no final, o decano experimentou nova derrota para os ingleses que provocaram um sério problema para a história do futebol da terra. Imaginem que o primeiro campeão baiano havia sido um clube inglês!
O feito sacudiu a chamada “República Velha”. Imaginem que foi parar até no Senado (que naquele tempo era no Rio de Janeiro) e nos vetustos jornais do Sul. Como é que os baianos admitiam isso? Mas o problema não era com os estrangeiros porque havia quem quisesse sair da dominação inglesa pra ficar sob a tutela do imperialismo norte-americano, mesmo que esse não quisesse saber de futebol.
                                            Nem se podia comer acarajé na assistência!

Mas a vida, ou os torcedores baianos, iriam resolver o problema por conta própria. O “campeonato” do ano seguinte havia começado com mais um clube, o recém-criado Santos Dumont. Mas o que deveria se constituir em motivo de animação logo se transformaria em nova crise. O Vitória começou mal perdendo o clássico para o São Salvador (0 X 2), enquanto o Internacional dava uma “lavagem” no aristocrático Baiano de Tênis por quatro a zero.
Então veio o jogo dos líderes quando o São Salvador venceu os ingleses pelo escore mínimo. O clássico seguinte era entre Vitória e Internacional e o perdedor estaria praticamente sem chances de chegar ao título. Na oportunidade o rubro negro teve grande atuação, recuperando-se das derrotas anteriores e vencendo os ingleses por dois a um.
                                                       A liga virou a casa da mãe joana!

Naquele dia houve grande vibração no Campo da Pólvora e os torcedores tiveram um papel ainda não visto vaiando e xingando os ingleses e apoiando o decano. Pois não é que o Internacional aproveitou essa desculpa pra abandonar o “campeonato”? Alegou “incivilidade” dos torcedores para isto. Imaginem se conhecesse o que acontece hoje!
O São Salvador seria campeão, mas cederia lugar para o Vitória nos dois próximos anos. A politicagem, porém tomava corpo e iria fazer terminal a Liga Bahiana quando disputavam o título de 1910 Santos Dumont e São Paulo, mas aquele conseguiu anular o jogo em que o rubro negro havia lhe vencido por dois a um. A reversão do resultado fez com que o São Paulo abandonasse o campeonato e deu o título ao Santos Dumont.
                                    E olhem que foi antes do filme Encouraçado Potemkim!

A Liga Bahiana só organizaria mais dois certames, vencidos pelo SC Bahia (que não é o atual) e o Atlético. Neste anos, porém as disputa seria uma confusão só. Todo mundo estava de olho na cobrança dos ingressos para os jogos que haviam se transferido para o campo do Rio Vermelho. Anulavam-se jogos no “tapetão” e a assistência estava a cada dia mais indócil.
                                         O avô de Geninho nem podia gritar com o Vitória!

É assim que vai surgindo a iniciativa dos pequenos clubes e outros de origem popular que vão sendo criados de formar a nova Liga Brasileira. A confusão, o interesse econômico, a inconformidade com o resultado dos jogos e, principalmente, o elitismo, fizeram o resto. A Liga Brasileira recomeça no nosso futebol, mas se retiram todos aqueles que viveram a primeira fase do nosso futebol.  
Só quando construíram o Estádio da Graça em 1919 é que alguns daqueles clubes voltaram. Mas doravante a elite teria que repartir tudo com o povo, os clubes e os lugares na torcida.

·          Agradeço a Alexandro Teixeira, ao Almanaque Esportivo da Bahia (1944) e aos blogs cinema10.com.br e acphone.art.br.

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