terça-feira, 5 de julho de 2011

Quem inventou o trabalho?


Romário ficou assim ao saber do projeto de lei obrigando o deputado a trabalhar!


Dizem que quem inventou o trabalho foi Deus, ao expulsar Adão e Eva do Paraíso. Outros dizem que foi o diabo. Quanto a mim acho que foi mesmo a ditadura militar, pelo menos foi neste tempo que eu comecei a trabalhar.   

No início dos anos 70, em plenos anos sombrios de ainda maior endurecimento da ditadura militar, prosperava a pornochanchada. Era uma época onde ficávamos na sacanagem assistindo a ex-miss Vera Fischer, Jardel Filho, Nuno Leal Maia, Milton Morais e outros nas telas da cidade.

Foi quando começava a funcionar a TV em cores obrigando as famílias a substituir os aparelhos anteriores. Em pouco tempo ninguém mais queria mais saber de TV ou cinema que não fosse a cores. Foi uma década acompanhada pela televisão. Na ocasião a indústria cinematográfica apelava para a violência e o terror, encenando O poderoso chefão e Tubarão.

                   Eu na época, me protegendo do trabalho! 


O carnaval de Salvador era patrocinado pelas cervejarias CIBEB e Carlberg que se concentravam nos grandes trios elétricos. Já se podia brincar o carnaval na sede do Vitória que ficava então em Amaralina. Nas ruas se via o bloco carnavalesco Os internacionais e ainda dava pra levar a família pra Avenida Sete. Chegávamos pela manhã e levávamos nossas cadeiras amarrando-as ás que lá havia. Quando chegávamos á noitinha para o desfile ainda estavam lá (acreditem se quiserem!) pois ninguém roubava.

Foram anos de terror também para o EC Vitória. Imaginem que só conseguiu ganhar um título, o de 1972, deixando o resto para o tricolor. Eu ainda era solteiro mas já tinha dado uma aliança de noivado a Cybele e não poderia enrolar o casamento por muito tempo. Foi aí que me deparei com a terrível experiência do trabalho. Que coisa horrorosa. Gostaria de saber quem inventou tal coisa! Imaginem que como bom “filhinho do papai”, embora fosse um “Durango Kid”, até então aos 23 anos nunca havia trabalhado.

Mas pra isso tive que contar com painho. Meu pai tinha atuação constante no mercado da engenharia civil do estado e naqueles anos sua firma colocava a iluminação na Fonte Nova. Pra saber das obras e agilizar o pagamento dos seus serviços contava com conhecidos na máquina governamental. Durante vários anos trabalhou no antigo Departamento de Energia cujo “mangangão” era Tarcísio Vieira de Melo. Barbosa Romeu, chefe da Casa Civil de ACM, era quem agilizava o empenho de suas notas.

                           Pô, podia ser pelo menos aos 40!

Em 1970 tivemos de assistir os jogos do campeonato no estádio da Graça, pois a Fonte Nova estava intensificando as obras para a inauguração do ano seguinte. Eu ingressei na Escola de Música da universidade e ia muito bem, mas nada de ganhar dinheiro.

Aí, no ano seguinte, a família entrou em ação.

- Como é que você pensa em casar sem trabalhar?

Tive que dar a mão á palmatória, e passei a procurar emprego. Digo emprego pois não queria um “trabalho” e sim algum emprego que a última coisa que se fizesse fosse esse tal de trabalho. Um problema porém saltava aos olhos. Eu não sabia fazer nada. Quem iria empregar um sujeito destes?

Mas é porque vocês não conhecem a classe média da Bahia. Esta dá sempre um jeito de conhecer “as pessoas certas no lugar certo” e foi assim que eu “entrei pela janela” na COELBA e na UFBA. Devo meu primeiro emprego, ex-sócio de meu pai, que na ocasião era diretor da empresa.


                                       Adeus a gandaia! 


A “entrevista” ocorreu na semana da inauguração da Fonte Nova, logo depois do carnaval. Foi numa terça feira, 28 de fevereiro de 1971. Lembro-me bem da reunião. Fomos eu e painho visitar Deraldo. Depois das habituais trocas de gentilezas, este perguntou o que eu sabia fazer. Disse-lhe, na mais santa ingenuidade, que gostava de música, futebol e jogava botão, vendo o olhar reprovador de meu pai.

Deraldo deu tratos á bola. Ora, ali era uma companhia de eletricidade, e, na época, pública. Como me encaixar em alguma coisa? Mas foi aí que me lembrei de que, dois anos antes, tinha tirado o curso de contabilidade na “fábrica” que se chamava Instituto Valença onde quem pagava passava. Aí todo mundo sorriu, haviam encontrado a solução. Eu podia, enfim, começar a trabalhar.

Foi assim que eu cheguei no dia primeiro de março ao Departamento de Contabilidade da COELBA para exercer o cargo que tinha tão “duramente” conquistado, auxiliar de escriturário da empresa. Deve ter sido um dos grandes acontecimentos daquele ano. O outro foi três dias depois, o desastre do dia da inauguração, que conto em outro artigo deste blog, e até hoje não se sabe quantos morreram.

                             Meu "trabalho" era o futebol!


Eu estava lá, e me lembro de que na segunda feira não parava de falar contando aos colegas da empresa o que tinha ocorrido no estádio. Mas não estava acostumado com a maldade humana. A minha entrada “pela janela” chamou a atenção dos meus novos colegas. Ainda mais que eu nada sabia de crédito e débito, tropeçando nas operações contábeis que deveria saber pra merecer a minha formatura no ensino médio.

Nos três curtos meses que passei na COELBA não perdia os jogos do estádio que contava agora com um anel superior que ampliava em muito a sua capacidade. Só andava cheio, embora de torcedores tricolores. Logo depois da inauguração o rubro negro perdeu do Bahia pelo escore mínimo, mas a taça só foi para a sede da Boca do Rio porque o técnico do Grêmio Oto Glória resolveu fazer a gentileza de dar-lhe de presente.

No fim do mês tomamos uma gozação dos tricolores por ter perdido para o Atlético Paranaense (0 X 1), mas, logo a seguir, foi a vez do esquadrão perder do Botafogo (2 X 4). Foi nesse clima de gozação que eu acabei me “abrindo” para um colega confessando quem havia me colocado no emprego. A partir começaram a me olhar atravessado. Todos começaram a falar de peixe, “peixada” e outros bichos marinhos por lá. Como se vê um ambiente edificante de trabalho.

                       Ah como é bom ficar sem fazer nada!


Não gostei nada do novo torneio de abril na Fonte Nova pois desta vez preferiram chamar o Galícia ao invés do rubro negro. Era uma injustiça pois mantiveram o Bahia. Lembro que a torcida do leão boicotou o certame que tinha ainda o Cruzeiro e o Santos.

Lembro que lá na COELBA o pessoal passava por mim falando de peixe, mas eu pensava que era o Santos. O Bahia ganhou o time da Vila Belmiro (3 X 2) mas o Galícia caiu perante a raposa mineira (1 X 3). Depois foi só torcermos pra taça ir pra Belo Horizonte, o que sucedeu na rodada de sete de abril, onde o Santos ganhou do time do azulino (2 X 0) e tricolor perdeu do Cruzeiro (0 x 1).

Depois de longos três meses saí da COELBA, não só pelas fofocas mas pela absoluta falta de talento para as contas. Mas não antes de presenciar a derrota tricolor em um amistoso com o outro time de Minas, o galo, por um a zero.  

                     Adeus aos passeios no Dique do Tororó!


É que, enquanto isso, os professores da Escola de Música da UFBA repararam a minha ausência. Foi graças á maínha que me livrei deste maravilhoso emprego. Ela ligou para a saudosa professora Georgina Lemos e conseguiu que eu fosse contratado recebendo o mesmo que eu ganhava na COELBA, 300,00(sic!), aproveitando a falta de estudantes de contrabaixo na escola.

Foi assim que eu, após ter entrado na universidade no ano anterior “chutando” a mesma letra no vestibular, entrei “pela janela” na Universidade, virando funcionário federal num tempo em que o concurso público era coisa de conveniência. Lembro que tive muito gosto em me despedir dos funcionários do setor de contabilidade da empresa, e aliás, eles também!

Cheguei a primeiro de julho na UFBA e, logo no outro dia, fui assistir ao jogo comemorativo da independência, Bahia X Flamengo. Parecia que teria sorte no novo emprego, inclusive pelo tricolor apanhar de três a um. Mas, como o dinheiro da universidade não dava, acabei por entrar também na outra universidade da época, a Católica, como “professor” de contrabaixo, quando Dona Dulce Calmon contratou uma “leva” de professores e alunos da UFBA pra modernizar o Instituto de Música. De repente, quem nunca trabalhou na vida agora tinha dois empregos. Fiquei ali por oito anos mesmo sabendo tanto do instrumento como os alunos. Ainda bem que nunca desconfiaram.

                          Essa coisa de casamento é fogo!


O segundo semestre começava sob a raiva rubro negra. É que só o Bahia havia sido escolhido pra disputar o campeonato brasileiro, que teve a sua primeira edição naquele ano. Nos limitamos a torcer contra o tricolor a tempo em que comparecemos a alguns amistosos do Vitória na Fonte Nova. Lembro-me da solidão que foi o empate com o Ypiranga (1 x 1) na comemoração do sete de setembro. Da vitória contra o Fortaleza pelo escore mínimo.  

Da vergonha que passamos contra o Bangu neste mês. É que havíamos empatado sem gols com os “mulatinhos rosados” e alguém teve a triste ideia de pedir uma revanche onde apanhamos por três a um. E o pior é que coube ao tricolor fazer as “honras da Bahia” derrotando os cariocas facilmente por três a zero.

O Vitória se sairia bem nos próximos amistosos. Em novembro ganharia do Atlético Mineiro (1 X 0) e empataria sem gols com o América (RJ). No início de dezembro novos empates, contra a dupla FLA-FLU, e o CRB por um gol. Quanto ao Bahia, além de ter feito um péssimo certame brasileiro, vinha perdendo os amistosos deste mês, onde apanhou do Fluminense (0 X 1) e do Cruzeiro (1 X 2).

                                     Adeus á Itaipava!


Aí, alguém teve a péssima ideia de fazer uns BA-Vis “caça níqueis” pra encerrar o primeiro ano do novo estádio. Veja que Natal miserável passamos. No dia 21 o rubro negro perdeu de dois a um. Acho que no dia 24 o próprio J. Cristo teve que descer pra dar uma mãozinha pra que não perdêssemos outra vez, conseguindo ao menos o empate em um gol. Mas ainda arranjaram outra partida no dia 28, onde o leão perdeu de novo, desta feita por um a zero.

O ano que eu me empreguei terminava desastroso, mas pelo menos eu já era funcionário federal. Foi assim que pude casar e consertar de vez. Logo eu, que nunca havia trabalhado nem estudado, tive que pagar por todos os meus pecados na minha formatura.

É que naquele tempo a ditadura havia criado o jubilamento e só se podia passar poucos anos na universidade. Na ocasião tive que estudar “como um cão”. O programa da formatura exigia pelo menos cinco horas de estudo diárias que passavam para oito nos fins de semana.

                          E o bom de ficar na varandinha?


Para dar conta disto e do trabalho tive que comprar outro contrabaixo e trazê-lo pra casa todos os dias da escola. Primeiro tentei ir a pé mas não há quem tenha uma carga de trabalho e estudo destas que ainda carregue nas costas um contrabaixo por dois quilômetros. Depois reservei uma verba pro taxi.

Mas isso me colocava problemas pois os taxistas não queriam saber do contrabaixo sob a desculpa de que não cabia no carro. Com o tempo aprendi uma forma de colocá-lo rapidinho no carro. O “macete” era o seguinte. Ficava numa esquina e escondia o contrabaixo, só então chamava o taxi. Quando este parava eu abria a porta e o enfiava rapidamente para dentro. Aí só tinha que aguentar a cara feia do motorista.

Mas o pior mesmo era estudar em casa as noites. Imaginem que chegava ao apartamento entre 20 e 22 horas e, logo após um jantar frugal, começava a estudar. Logo começavam a chover garrafas e outros materiais sobre o pátio do Edifício Venezia na Rua Direita da Piedade. Não me sobrou outro recurso senão instalar cortinas, cobrir as frestas da porta e da janela (só havia uma!) com toalhas e colchas, e passar a executar as peças e repertórios da orquestra bem pianinho.

                              Parece até conto de terror!


Foi duro passar esses anos, tanto no futebol como me firmar no trabalho. Comi “o pão que o diabo amassou”. Ele deve ter ficado sorrindo lá em baixo. Me formei no final de 1978, num ano triste para o Vitória, que ainda se limitava a ver seu arquirrival levantar títulos. Mas, assim como eu tinha conseguido vencer o trabalho e o estudo o rubro negro também recuperaria o caneco em 1980.


·        Agradeço ao site RSSSF Brasil, e aos blogs finalsports.com.br, portalrcrr.com.br e tempogeral.com.

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