segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A língua baiana



                                                                         Gosto de sentir a minha língua rolar
                                                                         a língua de Luís de Camões.
                                                                         Gosto de ser e de estar
                                                                         e quero me dedicar
                                                                         a criar uma confusão de prosódias
                                                                         e uma profusão de paródias
                                                                         que encurtem dores
                                                                         e furtem cores como camaleões.            
                                                                                                      Caetano Veloso

Outro dia eu li um artigo que falava das línguas mais faladas do mundo. Na ocasião ainda pensava que o inglês estava na frente. Mas percebi que hoje está tudo mudado. É o mandariam que dá as cartas com um milhão e cento e vinte milhões de falantes em todo o mundinho chinês. Pelo blog Linking o inglês não tem nem a metade ficando somente com 520 milhões de pessoas.
Entre as dez mais tem ainda o hindi (nossa que diabo é isso!), com 490 milhões, o espanhol, com 425 milhões, o árabe e o russo disputando na faixa dos 250 mi, o bengali (sic!) com 215, o indonésio (175) e o francês (130). O português só aparece em sétimo, falado por 215 milhões de pessoas.
                          O problema é que ninguém entende que língua Joel Santana fala!

Mas tem alguma coisa no ar que não são os aviões de carreira. Como é que o pessoal chega a esses cálculos? Se for pegando a população dos países e contando para cada língua é uma tremenda “furada”. Como ficam os turistas que tem que aprender este bendito inglês em toda parte que vão?
Eu mesmo estou tomando curso há três meses pra viajar para a Inglaterra aonde irei em setembro com uma excursão dos Beatles Social Club. Assim como eu deve ter uma “renca” de gente nesta mesma situação. Isso não conta na estatística? E quem é mesmo que estuda mandarim? Eu continuo muito desconfiado destas “pesquisas”.
Outro exemplo, a Suíça conta pra que língua se o pessoal lá fala francês, italiano e alemão? E, pelo amor de Deus, como é que chegaram aos tais 250 milhões na Rússia se no território da antiga União Soviética havia 72 nações e muito mais línguas? E na Espanha como se faz isso? Colocam-se todos falando espanhol esquecendo que há uma verdadeira parafernália de línguas e dialetos? Ou se conta o pessoal duas vezes?
                                                      Já Rita Lee fica mais fácil!

Outra coisa, esse pessoal dos almanaques não deve nem estar aí com os índios. Imaginem que quando instituíram a obrigatoriedade de falar português no Brasil do Século XVIII havia mais de mil e quinhentas línguas por aqui. E hoje, pelo menos cada nação indígena fala uma. Da última vez que eu li sobre o assunto havia uns trezentos grupos indígenas diferentes, logo... são mais trezentas línguas.
Eu sei que vocês querem que o português fique entre as dez mais e isso reduziria os milhões que o praticam, mas vamos reivindicar que seja como na Espanha onde o pessoal deve estar sendo contado várias vezes. E que é que vocês me dizem da língua mineira, da baiana, da carioca, da paulista, da gaúcha, e da pernambucana? E olhem que não sou eu quem diz é o próprio Caetano que, na música Língua, deitou o verbo:
                                               - A língua é minha pátria
                                                  e eu não tenho pátria,
                                                  tenho mátria e quero frátria.  
Todo mundo sabe que Caetano é baiano mais do que brasileiro e joga duro defendendo a língua baiana. Foi ele quem disse “o que quer, o que pode esta língua?”
                                       No mundo de hoje tem vez pra tudo quanto é língua!

Se somarmos a população da Bahia (14 mi), com o pessoal de Sergipe (que antigamente fazia parte da Bahia), com os milhões que foram trabalhar no Rio e em São Paulo, com outros centenas de milhares que estão nos “States”, no Japão, em Dubai, nas “Oropa” e em Buenos Aires, veremos o que os almanaques não dizem por discriminação: O baiano é uma das línguas mais faladas do mundo.  
Basta andar pela Bahia que você vai ver e ouvir as características totalmente inéditas da língua baiana. Só ela, além do português, mereceu no Brasil uma publicação, o Dicionário de baianês. Digo ver e ouvir porque aqui é o país onde mais se fala e gesticula. Qualquer expressão é acompanhada por mil gestos e por uma “pegação” sem fim. Os “pessoais” tem que lhe pegar e virar pra ver se você está prestando atenção. Isso é impensável na Europa onde pegar em outra pessoa é no mínimo agressão!
Como não podia fazer outro dicionário selecionei algumas palavras e expressões que os que pertencem á nação baiana dizem quando conversam entre si ou estão no futebol. Aproveito pra fazer uma tradução aproximada pro inglês pra os que visitam meu blog no exterior possam entender o seu significado. A cultura do futebol enriqueceu de forma extraordinária a língua baiana.
                                                     Pois é, tem língua até que fere!

DIGA AÍ (Tell me hear) - Trata-se de uma expressão tipicamente baianesa e que se usa nos encontros na rua. É adotada geralmente como pergunta, mas não se preocupe em responder. Quem lhe faz a pergunta não quer que você diga absolutamente nada. Na prática é só uma saudação.
TUDO BEM? (All right) – É outra expressão que só existe na Bahia. Onde é que se fazem perguntas que não precisam de respostas? Em qualquer lugar no mundo, ao se dizer uma coisa dessas o perguntado logo agradece a atenção e passa a dizer se está bem ou mal e como vai passando. Mas na Bahia, por favor, não pense nem de brincadeira em responder a isto pois não se trata de uma pergunta e sim de uma saudação onde a qualquer sinal de resposta o perguntador vai correr pra bem longe.
VIU (To see)– Aqui está uma palavra que diferencia bastante a língua baiana da portuguesa. Enquanto esta é creditada de forma chocha ao passado de ver, na Bahia tem mil e uma utilidades. Serve pra se falar ao telefone respondendo qualquer coisa e pra tudo quanto é conversas no meio da rua. Geralmente quem a usa está sinalizando que já está querendo ir embora e não quer mais conversa.
                                                  Poxa essa é do Guinerss Book!

XARÉU (Não existe correspondente)- Nos dicionários indígenas ou de português você pode encontrar essa palavra associada a um tipo de peixe que anda em cardumes. Mas na Bahia não, pois se trata de um certo tipo de gente que, por não ter dinheiro, só entra nos estádios quando esses abrem os portões a poucos minutos do final em função dos funcionários quererem sair mais cedo do serviço.
BANANA (É banana mesmo!) – Eu sei que vocês vão dizer que isso não tem nenhuma novidade pois conhecem a fruta que existe em larga quantidade em muitos lugares. Mas na Bahia a palavra é usada muito mais como insulto. Banana aqui é o cara que deixa fazer o que quiserem em seu espaço sem tomar uma atitude. É o juiz bobão, e é o dirigente esportivo de araque.
BRODER (Brother)– Vocês aí do exterior vão conhecer logo a palavra. É uma adaptação de “brother”, irmão. Mas aqui é raro se usar da mesma forma como acontece aí nos EUA.  Na Bahia broder significa “gente boa”. Usa-se geralmente assim: “Aquele cara é broder”!
                                            Pera aí, que é isso no treino do Vitória?

SHOPI (Shopping Center) – A expressão inglesa Shopping Center foi introduzida na Bahia nos anos 70 pra denominar o primeiro grande Shopping Center que foi instalado, o Iguatemi. Só que é um negócio muito complicado falar assim e o povo passou a usar várias palavras pra denominar estes locais. O mais comum é chamar de Shopping, Shopin, chopi e shopi, que é a denominação mais usada.
BARRIO (Área) – Não se trata de espanhol mas de baiano mesmo. É que quando era professor universitário percebi que quase ninguém chamava o lugar onde morava de “bairro”. Acho que só as “classes cultas” falam assim. Quanto ao povão mesmo usa várias palavras pra denominar isso, sendo as mais comuns “bairo” e “barrio”.
SUCEÇÃO (Succession) – Aqui é um requinte de política no dia a dia dos baianos.  Foi outra coisa que descobri quando corrigia as provas dos universitários: ninguém sabe escrever esta difícil palavra. E eu até que concordo, como é que diabo se inventa uma palavra com três esses? Meus alunos eram muito criativos, tinha gente que escrevia com cinco e outros até sem nenhum “s”. Mas a escrita mais comum é essa aí, a suceção. Mas atenção, todo cuidado é pouco pra não confundir pois também é usada pra intitular um grande sucesso, um Sucessão!
                                              Hoje em dia a língua tem muito mais usos!

BARRACO (A poor house) – Toda cidade que possui uma periferia pobre sabe mais ou menos o que quer dizer isso. A diferença é que a periferia de Salvador é de fazer dó e muitas casas não tem nem tijolo. Assim os grã-finos e a classe média “curta” da Bahia passaram a chamar qualquer confusão, de forma pejorativa, de “barraco”.
Por hoje é só. Pra quem continua achando que baiano não é língua peço, como Caetano, que atentem para o sintaxe dos paulistas, o falar cantando dos cariocas, as delícias do idioma mineiro e do gauchês. No resto, como o Jair Rodrigues, deixem que digam, que pensem, que falem. Deixem isso pra lá, o que é que tem? E quem há de negar que a língua baiana é superior?

·       Agradeço aos blogs língua.caetanoveloso.letrasdemusicas.com.br e living2008.blogspot.com.

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