sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A revolução mundial

              
                 
Segunda feira, dia 12 de setembro, foi o último dia em Londres dos Beatles Social Club. Agora estaríamos por nossa conta no mundo britânico mas ainda com a “muleta” dos nossos sobrinhos. No entanto, esse dia acabou sendo para nós o encontro com a revolução em Londres. Foi um dia bem diferente. Pra começar tivemos de nos dividir. Acordamos cedo e ela ficou esperando nossos sobrinhos, para fechar a conta do hotel e levar as sacolas para suas casas em Willesden Green. Eu sai com o amigo Roberto Cabus que era o único da excursão que toparia um programa desses e em plena despedida da cidade!

Quando vim para Londres, escrevi para o Partido Comunista Britânico e para a Marxism Rewiew, das quais já recebia desde o Brasil publicações virtuais. O primeiro nem se dignou a me responder, mas o segundo me respondeu quando estávamos em LIverpool. Jose Martin, um argentino radicado há anos na cidade, passou-me o endereço da revista e sugeriu a possibilidade de um encontro na sede. Chegou até a dar seu endereço, embora eu não tenha entendido. Mas acabamos marcando na segunda feira as dez no bairro de Langdon Park. Meu sobrinho ensinou o caminho de metrô e ele ficou de nos pegar na estação facilitando as coisas.
                                   Pô, gostei de ver a Eliana Calmon, porque não falou antes?

Na noite anterior havia conseguido entrar na internet e soube que a Marxism Rewiew na verdade era a porta voz da Corrente Marxista Internacionalista, um dos grupos da Quarta Internacional, e com Allan Woods em pessoa, o principal dirigente mundial da organização. Que honra, quem somos nós para merecer tanto?
Não foi fácil achar o caminho. Tivemos que mudar de plataforma, e até de estação, algumas vezes. Foi por isso que chegamos atrasados quando o Martin já havia nos telefonado, mas tudo terminou bem com a sua recepção em Langdon Park. Depois das apresentações rumamos para a sede da revista que fica perto dali. 1
O escritório tinha dois andares e era muito espaçoso, com sala de reuniões e de trabalho. E, em meio de um cafezinho londrino fomos apresentados a Alan Woods e ao Fred (um italiano da organização) e iniciamos uma reunião que se prolongou por mais de uma hora. Como eu já vinha conversando com Cabus sobre o caráter trotskista da organização (e algumas delas tem estranhas posições no terreno internacional) nossa atenção voltou-se para saber da linha política da CMI e nos informar sobre os movimentos sociais e partidários da Inglaterra.
                Rapaz não me livro de Gisele nem em Londres, o metrô está cheio de fotos dela!

O primeiro assunto, como não podia deixar de ser, foi os recentes protestos do país. A avaliação deles coincidia com a nossa. Tratou-se de uma revolta de desempregados e jovens que não veem perspectiva no atual sistema inglês. Teria começado em um bairro de Londres onde é muito alto o desemprego e daí se estendido a outros locais da cidade e do país. Depois disso a conversa girou sobre a intervenção imperialista na Líbia onde também tivemos concordâncias. Na ocasião França, Inglaterra e Itália, coordenadas pelos EUA e levando a reboque os países da OTAN, apresentaram interesses comuns no petróleo daquele país (um dos vinte maiores produtores do mundo) e de criar uma cabeça de ponte na África de olho nas matérias primas do continente.
Aí a conversa girou sobre o funcionamento da organização, o que achava das demais correntes que se reivindicam da Quarta Internacional e criadas desde 1938, como viam a América do Sul, e, particularmente, o pensamento de José Carlos Mariátegui, e se tinham trabalho no Brasil. Não posso reproduzir aqui tudo o que foi falado pois não sei nem se interessaria vocês, mas diria que nos foi afirmado que a CMI é uma das correntes trotskistas mais antigas e que há tempos deixou de defender a unidade de cúpula de todos os grupos trotskistas. Atua em dezenas de países alguns dos quais relacionados por Alan nas constantes viagens que realiza pelo mundo.
A discussão sobre a América Latina ficou a cargo de Martin. Ele fez uma abordagem geral sobre países como a Argentina, Chile, Venezuela e Cuba, sem que pudéssemos encontrar posições esdrúxulas, embora nos fosse dito que a organização atuasse no Brasil dentro do PT, o que não foi muito do agrado meu e de Cabus.
Achei a conversa proveitosa pois trocamos ideias sobre a situação mundial e soubemos dos posicionamentos e do trabalho de uma organização, que na contramão dos que já se entregaram ao senso comum e ao consumismo capitalista, continua a luta pela revolução. Na despedida doei dois dos meus livros para aqueles camaradas dos quais recebemos jornais e livros de Alan Woods. Trocamos ainda e-mails e, depois, Martin me enviou seu contato no Brasil para o qual vou escrever qualquer dia desses e nos levou à estação nos explicando o que devíamos fazer para voltar. O melhor seria prosseguir até o final daquela linha e voltar pela Central Line de onde chegaríamos fácil á Queensway. .
Já era quase meio dia e no caminho telefonei para Karem para nos encontrarmos. Cybele já tinha ido com eles a Wislleden Green e já estava voltando. Mas a proposta de nos encontrarmos em outra estação (e as explicações que não entendíamos nada!) não foi de nosso agrado. De maneira que Karem desistiu e nos encontramos no único lugar onde tínhamos segurança, na estação de Queensway em Bayswater.
                                                                    Desce Obama!

Em Londres pude voltar a ter conversas com Cabus que gostei muito. Atuamos juntos no passado na solidariedade internacional inclusive celebrando datas caras á luta popular e participando de comitês contra as guerras do Iraque e do Afeganistão. No entanto chegamos á conclusão que desta vez estávamos sós sem uma causa que acreditássemos. Demos tratos à bola e nada de aparecer uma causa. E enquanto estávamos procurando chegamos a Queesway ficando de continuar essa discussão no Brasil.
Não foi preciso esperar muito para as meninas aparecerem e nos despedirmos emocionadamente desses doze dias que passamos com Cabus. Karem já tinha o programa do dia na cabeça: Oxford Street (onde Cybele imaginava fazer compras), Leicester Square, Convent Garden e a visita ao Museu de cera de Madame Toussant.  Como todo mundo já tinha mordiscado só fomos comer num restaurante italiano (bem mincho!) nos arredores de Convent Garden pois lá era tudo caro!

                              Quase que a gente apanha, mas no Brasil isso não é novidade!

Foi tal de caminhar que ninguém aguenta. Cybele estava procurando coisas baratas e batemos muita perna pela região. Entra e sai de loja e a desculpa era a mesma, as grandes filas do caixa. Até que chegamos à Primark que, como é comum em Londres, conta com balaustrada nas vitrines que são usadas pelas pessoas para sentarem. Eu de tão cansado nem as acompanhei sentando ali entretido pelos passantes. Procurava fixar aquele lufa-lufa londrino quando sentaram três pessoas ao meu lado.
Não foi preciso nem atenção para descobrir que eram brasileiros, e do Maranhão, Ceará e Pernambuco. Imaginem, quatro nordestinos na Oxford Street! Depois da estranheza inicial acabamos dando boas risadas comparando a Inglaterra com o Brasil e soube que eles estavam em uma excursão que tinha parado ali algum tempo para as mulheres fazerem compras. Mais cartões trocados. Já estavam acabando os mais de duzentos que trouxe nessa viagem!
Já era quase fim de tarde e fomos tentar encontrar entradas para o show da noite do Clube de Jazz Rowney Scott onde tocaria o famoso compositor e violonista norte-americano John Williams e o guitarrista francês John Eltridge. Era imperdível e fui me preparando para o “tiro” do preço dos ingressos. Nem falei a vocês que os ingleses tem um negócio estranho, aumentam o preço dos ingressos de acordo com a procura. É o cúmulo, aí tivemos de pagar 40% a mais no último concerto que assistimos lá. Nesse dia fui esperando qualquer coisa mas, como chegamos umas três horas antes do espetáculo acabamos comprando a vinte libras cada.
                                                  Não deixa de ser revolução...

Foi um presente de despedida para o sobrinho Matheus que veio depois e ficou vidrado no verdadeiro show que os dois guitarristas deram. Só ficou ruim depois com uma caminhada desgraçada e trens tomados para chegar a Wislleden Green. Fiquei surpreso ao passar pelo Soho e ver algumas pessoas dormindo nas ruas. Mas Matheus me disse ser natural, que Londres fica cheia de sem tetos que dormem pelas ruas no fim da noite e são postos pra fora pela polícia de manhã. Mais uma vez não pude deixar de me lembrar do Brasil.
Mas a caminhada foi compensada pela inesquecível lasanha, regada a vinho, que Matheus aprontou. No quarto o constrangimento de brigarmos para ver quem dormia no sleeping bag comprado por eles que faz um barulho desgraçado pra encher ameaçando acordar os outros moradores do apartamento. Eu não abri mão de dormir naquele monstrengo mas eles me deram o golpe. Quando fui tomar banho eles se empiriquitaram no chão e não houve quem pudesse tirá-los de lá. O resultado foi termos que dormir na cama.
                           Coitado do Capitão América esse mundo não tem mais lugar pra ele!

No outro dia, depois dos passeios de praxe, fomos na igreja anglicana St. Martin the Fields para assistir um concerto da orquestra da igreja. Desde que cheguei à cidade estava “catando” uma manifestação. Afinal de contas estava na Meca do capitalismo internacional e era uma vergonha voltar ao Brasil sem ver uma. Fui aos principais lugares onde se realizam essas coisa. Parecia que iria conseguir em Picaddily Circus mas era apenas uma aglomeração em torno de camelôs. Em outro dia lemos no metrô que um dos acessos ao centro estava interditado sem dizer por quê. Corremos pra lá, mas era apenas um acidente.
Aí, quando faltavam apenas dois dias para irmos embora de Londres, eis que surge ela em minha cara. Eu estava na cripta dessa igreja anglicana e Cybele e Karem tinham saído para as compras com ordens para que eu não saísse dali para não me perder. Enquanto gozava do aprazível cenário da cripta eis que aparece o sobrinho Matheus e me disse que havia uma manifestação lá em cima.
                                       Enquanto isso londrinos esnobavam de taxi preto!

Não cacei conversa passando por cima das orientações das meninas. Afinal, era um dia histórico, onde eu participaria de uma manifestação em Londres. Quando chegamos à frente da igreja é que percebemos que esta fica em frente à famosa Trafalgar Square, local de manifestações que marcaram época na cidade! O objetivo era protestar contra uma Conferência sobre Armas. Tomei então da minha câmara e corri para o centro do ato que se desenrolava na frente da Galeria Nacional.
Havia entre cem e cento e cinquenta manifestantes e muitos guardas. Além disso estavam ali carros de polícia e ambulância e uma coisa que nunca vi, “observadores legais”. Deve ser coisa de inglês mesmo! No início Matheus me ajudou com a câmera mas depois filmei meu mesmo. Saiu meio troncho, ora com o dedo na frente, mas deu pra pegar muita coisa. Meu sobrinho ficou até apreensivo a me ver na linha de frente dos protestos!
             
                                               Tem todo tipo de manifestação por lá!

Chamou-me a atenção o fato de não haver as tradicionais faixas e bandeiras de partidos e movimentos sociais. Conversando com o pessoal (particularmente um mexicano que morava em Londres) nos disseram que a manifestação havia sido convocada pela internet e celular. Ah como seria bom que essas coisas acontecessem no Brasil!
O pessoal fez de tudo pra protestar. Tentou barrar a entrada dos delegados, deitou no chão, pintou a cara, gritou, estrebuchou, mas a polícia garantiu a entrada daqueles que, naturalmente, vinham ali aumentar as guerras do mundo e vender armas para a felicidade dos interesses do capitalismo internacional. Tinha até um cara que, juro, parecia com Mussolini!
                 A crise está aumentando, qualquer dia chamaremos de volta o Groucho Marx!

Passamos ali um bom tempo só saindo quando as meninas chegaram com aparência de reprovação ao nosso entusiasmo. Ainda deu tempo pra entrar na igreja e pegar o concerto da orquestra. Esta, apesar de antiga, até hoje é dependente de um mecenas que é o pai do maestro. Não deu pra assistir o concerto todo pois tínhamos que acompanhar os sobrinhos ao supermercado, e saímos (criminosamente) no meio de uma sinfonia de meu ídolo Tchaikovsky.
Mais uma noite na casa dos sobrinhos e mais comida. Não tem regime que aguente, é por isso que nem quis ver a balança quando cheguei de viagem!

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