quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Carnaval, futebol e guerrilha


     

No início dos anos oitenta, quando começávamos a obter as primeiras vitórias contra a ditadura militar (haveriam eleições para governador nesse ano) e se iniciava o fim da hegemonia praticamente absoluta do EC Bahia no futebol baiano, foi criado, em 1982, o Conselho Municipal do carnaval. Como não poderia deixar de ser, o Sindicato dos Músicos que eu presidia e que havia obtido a sua carta sindical naquele ano, entrou de cabeça na proposta.

Durante os anos que esperaríamos a reativação da carta (1979-1982) não havíamos ficados parados e foi por isso que a entidade se credenciou a disputar uma vaga no conselho. Atuando em conjunto e pressionando esses órgãos do Estado e Prefeitura pudemos realizar diversas iniciativas importantes para a categoria, como o aumento das vagas, das verbas disponíveis e da aceleração do recebimento dos recursos da Fundação Cultural.



Outro fator foi à aproximação com produtores musicais mais abertos e com iniciativa como Humberto Augusto e do carnavalesco Alberto Tripodi. Em troca do apoio ás produções do primeiro conseguimos com que fossem contratados vários artistas emergentes. A aproximação com o segundo iria trazer frutos em promoções em trios elétricos, em especial quando foi coordenador do carnaval. Assim, emergiriam os talentos de Zelito Miranda, Jorge Papapá, Silvia Patrícia, Helson Hart, Grupo Pulsa, e muitos outros.

Ainda enquanto Associação dos Músicos, no final de 1981, havíamos começado a participar da seleção dos músicos para o carnaval de Salvador. Nossas bandeiras principais foram o retorno do Carnaval dos Bairros e um modelo democrático de contratação de bandas, e levariam a categoria a obter conquistas históricas.

                             Ainda haviam as fantasias!


O futebol ainda demoraria a pegar. Meu EC Vitória havia voltado a ser campeão no ano anterior, depois de oito anos. Mas, o EC Bahia havia voltado pras cabeças, de onde só saiu quando terminou a ditadura militar em 1985 e o rubro negro construía seu estádio, o Barradão.
  
A atuação no carnaval demorou para pegar. Começamos no fim do governo Manoel Castro, quando a responsável pela área de turismo era Eliana Dumet. Na ocasião, percebi que as contratações para o carnaval não tinham qualquer transparência sendo a escolha feita na  base do compadrio. Os músicos eram estimulados a enviar propostas e o órgão selecionava conforme o “Q.I”., como se diz na Bahia, quem indicou.

                 Não havia chuva que atrapalhasse a festa!


Imaginamos assim, outra sistemática, que resultasse em ganhos para a categoria abrindo inscrições para as bandas que desejassem tocar no carnaval pelo sindicato. Nas reuniões aprovamos a cobrança de 3% do valor bruto recebido em prol da assistência ao processo de negociação. Como não admitíamos o critério grupista de “seleção” pelos próprios burocratas, fizemos aprovar um concurso público para selecionar as bandas conquistadas na negociação com a SUTURSA, depois EMTURSA.

A maioria das bandas nem se abalou, preferindo adotar o caminho costumeiro de mendigar as verbas do órgão. Mas a proposta agradou em cheio as bandas que apareceram (doze),em sua grande maioria discriminadas da festa.

                     A confusão era a mesma do futebol!
        

A iniciativa foi vitoriosa, tendo a presidente do órgão Eliana Dumet apostado no processo por dispensar, inclusive, os custos de seleção, aceitando cinco bandas do sindicato para o carnaval de 1982. Mas aí também, descobri que ninguém aceita o julgamento alheio. Aqueles mesmos colegas que participavam entusiasticamente das assembleias e que iam em comissão pressionar a EMTURSA, ficavam profundamente irados quando da seleção da Comissão Julgadora (escolhida por eles mesmos em assembleia!), voltando-se contra o sindicato e passando a denunciar armações.

A iniciativa, porém, havia vindo pra ficar, crescendo a cada ano particularmente na medida em que existia conflito de interesses entre o prefeito e o governador. Mas, para que o movimento crescesse havia que ampliar o número de músicos que se apresentavam no carnaval de Salvador. O caminho escolhido foi o do Carnaval nos bairros.

                      Ah, como sofríamos com o leão!


Havia desde os anos 40 este instituto, porém ele se reduzia a incorporar alguns bairros tradicionais no circuito do carnaval. Compreendi que a reivindicação da ampliação das apresentações musicais não interessava apenas os músicos mas também ás empresas de som, vereadores, trios elétricos, outros segmentos carnavalescos, e as novas associações de moradores que vinham sendo criadas.

Assim, passamos a fazer uma enorme articulação com todos esses segmentos buscando apoio para pressionar a prefeitura a aumentar os bairros onde seriam realizados espetáculos para a população local. Fazíamos uma romaria aos gabinetes dos vereadores pedindo-lhes indicações de bairros para a realização do carnaval, solicitávamos á FABS e as associações à mesma coisa, envolvendo institucionalmente a própria Câmara de Vereadores.

                       A galera musical não era brincadeira...


Articulávamos-nos com as recém- criadas Associação das Empresas de Sonorização e a associação dos trios elétricos com este objetivo. Apoiados neste processo fazíamos propostas para a Coordenação do Carnaval obtendo, no ápice do movimento, durante o último ano da gestão da prefeita Lídice da Mata,  34 bairros, a contratação de 4.200 músicos, e a representar um orçamento de U$ 1.200.000.

O Conselho Municipal do Carnaval foi criado durante a coordenação de Oto Pippolo do Bloco Papa Léguas e nossa participação nele contribuiu pro nosso esforço em prol dos músicos. Atuei nele, representando o sindicato, por oito anos. Sua principal ajuda foi a de ampliar as pressões sobre a prefeitura e EMTURSA em relação á festa carnavalesca e envolver o Estado na sua organização.

                        Foi pouco depois que ele se foi!


No entanto, durante todo esse tempo, sempre tivemos na contramão dos interesses dos grandes blocos (empresas) carnavalescos que não viam com simpatia o aumento do poder do sindicato na festa, particularmente por aumentar o cachê dos músicos que para eles trabalhavam, e pela concorrência às verbas governamentais.

Mas a entrada do Sindicato no Conselho Municipal do Carnaval não foi nada tranquila, e exigiu um ato de “guerrilha”. O órgão foi criado durante o primeiro ano de mandato do prefeito, e atual candidato á Prefeitura, Mário Kertész, sendo que no decreto constava apenas a famigerada Ordem dos Músicos como “representante da categoria”.

                              Valia tudo no carnaval!


Inconformados com a decisão e sabendo da solenidade da instalação do conselho compareci com alguns colegas ao prédio da Boa Vista onde funcionava a prefeitura. Encontramos ali a sala cheia, com a presença de quase todas as entidades designadas, jornalistas e representantes da prefeitura.

Dalí a pouco chegou o próprio prefeito. Logo após o seu discurso anunciando a criação do novo órgão, tomei a palavra sob os flashs dos jornalistas e, afirmando que os músicos estranhavam a falta do sindicato da categoria na sua composição, pedi a correção da injustiça.

Mario Kertész não se fez de rogado e, numa atitude hábil, aceitou a reivindicação mandando na hora “substituir a OMB pelo sindicato na lista dos participantes”, o que, naturalmente, agradeci. A ação “guerrilheira” rendeu á entidade à presença na mídia local que parecia pressentir o surgimento de um novo ator no carnaval baiano.

                       E a Fonte Nova estava em plena forma!


O movimento dos músicos no carnaval durou entre 1982 e 1995. Enquanto as elites locais não haviam se sensibilizado para as potencialidades da festa e se manteve a disputa politica estado X prefeitura, a categoria pode melhorar o seu nível de vida e condições de trabalho e a entidade contar com uma estrutura respeitável de atuação.

O ato de “guerrilha” na sede da Prefeitura no bairro do Engenho Velho foi apenas um dos vários que empreendemos ao longo desse tempo inesquecível onde os músicos, além de serem um dos principais protagonistas da festa, passaram a ter influência nas suas decisões. No auge desse processo chegaram a receber cachês que ultrapassaram o que pagavam a maioria dos blocos e trios.



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