quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

E se fosse o Coliseu?

 

Davi Caires, fotógrafo 

Uma das minhas últimas lembranças de Diógenes Rebouças foi ele pintando uma aquarela, no início dos anos noventa, na varanda da casa de praia da nossa família (que ele próprio projetou), no litoral norte de Salvador. Dezesseis anos  após sua morte, a casa ainda continua firme e elegante, a imprimir uma atmosfera rústica e bucólica em meio a um vasto coqueiral. Sentado na sala desta casa, contemplando a vista do mar agitado que surge pela grande janela de madeira, começo a escrever esse artigo que me fora encomendado pelo amigo Franklin, sobre a demolição da Fonte Nova.

Pelo acaso do destino, em meados de setembro de 2010, recebi uma ligação de um grande amigo e parceiro de trabalho, Tiago Cavalcanti, me convidando à integrar uma equipe de documentaristas canadenses que estavam em Salvador para registrar o fim do estádio, em 3D, para um programa da National Geographics. Fiquei excitado com a proposta de participar de um momento tão marcante para a cidade além de presenciar o final de uma obra composta por meu tio-avô.

O notável arquiteto e urbanista Diógenes Rebouças, autor do projeto da Fonte Nova


Durante as duas semanas que antecederam a implosão minha função na equipe era de produtor de campo. Contudo, prevendo que aquele momento seria único, decidi levar minha câmera de fotografia e fazer o meu registro pessoal sobre o tema, e deixar para posteridade minha homenagem ao estádio e a Diógenes Rebouças. Durante os dias que estive pelos escombros e no entorno do estádio (sobretudo fazendo produção de locação) percebi o quanto querida era a Fonte Nova.

Conversando com as pessoas e percebendo a energia que circulava pelo local cheguei a conclusão que o estádio havia se tornado em uma forte entidade mítica, durante os dias que antecederam à demolição. Fiquei impressionado como algo inanimado havia conquistado a patente de um bravo personagem, desses que lemos nas grandes narrativas épicas da literatura. A morte estava anunciada. Talvez essa informação tenha sido crucial para elevar ao status de herói, a Fonte Nova.

                   A Fonte Nova, depois de interditada em 2007, e sem manutenção!


Na véspera da demolição, estávamos montando as câmeras suicidas (aquelas que são destruídas durante a implosão) ali nas colunas que ficam próximas à avenida principal, do Dique. Havia um enorme nuvem cinza cobrindo toda a região. Era cinco horas da tarde e de repente, pela brecha da nuvem, o sol alaranjado do fim de tarde apareceu imprimindo uma das luzes mais geniais que tive o prazer de presenciar.

Ao mesmo tempo em que vários carros que por ali transitavam, pararam no acostamento para tirar a última foto do estádio. Foi impressionante. Com celulares ou câmeras amadoras todos queriam guardar para si a imagem do herói de pé, pois sabiam, que no outro dia apenas restariam as cinzas e as lembranças do estádio. Chamei a atenção dos colegas canadenses para aquele momento. Eles se emocionaram comigo e disseram nunca terem vistos aquele grau de envolvimento com uma construção, durante suas viagens ao redor do mundo. Disse-lhes, e isso não tem como esquecer, que aquilo era uma particularidade dos brasileiros e as palavras em português que expressavam aquele fenômeno era “saudade” e “carinho”. Eles demoraram um pouco para absorver a denotação da coisa, porém bastava olhar para a avenida, que aquilo que desejava explicar tornava-se mais palpável.

                 Pelé jogando na Fonte Nova no antigo Torneio do Povo em 1969


No dia da implosão, minha missão era subir no terraço de um prédio em Nazaré, e posicionar uma dupla de câmeras para registrar o momento exato da queda do estádio. Às nove da manhã, por conta do forte esquema de segurança (embora estivesse com todas as credenciais de trabalho), tive que deixar o alto do prédio e esperar a implosão de algum canto de Nazaré. Me encontrar com a equipe lá no Dique era uma missão difícil e por um surto de desapego decidi pegar o carro, me afastar do local e ver a implosão pela televisão, tomando uma cerveja gelada com meu pai, no bairro do Rio Vermelho.

Cheguei em casa poucos minutos antes da implosão. Na hora da derrubada do estádio ergui a copo ao alto e brindei ao fim do herói de concreto, sua memória e seu criador, Diógenes Rebouças. Pela televisão a implosão aparentou ter sido tudo muito bem calculada e executada pela empresa norte americana responsável pela empreitada.

                 O técnico Arturzinho rezando porum reesultado na fonte do futebol!


Cinco minutos depois estava de volta ao carro em direção a Nazaré para recolher os equipamentos no alto do terraço do prédio. As onze da manhã, reencontrei com o restante da equipe no estacionamento principal do estádio e realizamos a última filmagem do programa entre o grande entulho de concreto que se formou no local. Aproveitei e peguei um jogo de luzes do placar eletrônico (que apesar da demolição, ainda estava praticamente intacto) e um pedaço do concreto da arquibancada superior. Esses seriam meus suvenires que levaria daquele memorável dia.

No entanto, desejaria que a Fonte Nova não tivesse sido demolida. Salvador tem espaço para implantar um novo estádio, sem maiores transtornos, em uma outra região da cidade. A Fonte era um símbolo de uma época dourada do pensamento moderno baiano e isso eu sinto muita falta. Cada vez mais a cidade fecha-se ao regionalismo e continua a insistir em vender uma Salvador folclórica regada a dendê e fitinhas do Bonfim.

                                        A Fonte Nova era nossa Torre Eiffel!


Em algum momento da nossa história o tal bonde desandou e ficamos presos a idéia de que deveríamos nos mostrar ao mundo em  forma de um aconchegante balneário tropical - que na verdade, do jeito que as coisas andam, nem aconchegantes mais conseguimos ser. Basta sair de carro a qualquer hora do dia para constatar esse fato. Nem preciso falar da violência ou do inférnico calor que nos invade pelo verão.

Conheço pouco, ou quase nada sobre o novo estádio que será construído no lugar da Fonte. Não tenho informações suficientes para tomar uma posição a respeito do caso. Não sou um torcedor padrão do futebol. Adolescente, acompanhei o Esporte Clube Bahia na campanha de 1990, apenas. Fui aos principais jogos daquela temporada e sentia naturalmente a emoção de estar em um estádio com mais de 70 mil espectadores. Entretanto, não me recordo o ano, mas teve um campeonato baiano em que não houve vencedores. O título da temporada ficou na mão da cartolagem. Dali em diante, fiquei com náuseas toda a vez que ouvia falar em futebol. Perdi totalmente o interesse.

                                 Fonte Nova lotada em dia de BA-VI!


A missão agora é captar recursos para fazer uma exposição com as fotos que tirei do estádio. Tenho o desejo de que sejam ampliações grandes, que transmita a amplidão e a magnitude da Fonte Nova. A Odebrecht seria ideal para esse investimento; foram eles quem construíram a Fonte Nova e agora estão construindo a Nova Arena. De repente lança-se um livro, junto a exposição, com  as fotos do estádio e uma seleção de textos bacanas sobre a memória da Fonte. Seria um ótimo brinde de natal das Organizações Odebrecht.

Salve a memória da Fonte! Visite o blog com fotos da implosão do estádio:

 http://fontefinal.blogspot.com/


Salvador 26 de Outubro 2010





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